JOSÉ JOAQUIM TEIXEIRA LOPES, ESCULTOR E CERAMISTA
por António Teixeira Lopes da Cruz, Proprietário da Quinta Vila Rachel.
data da publicação: 1 de Março de 2023
17.1 / O REGRESSO DE TEIXEIRA LOPES DE PARIS E OS PRIMÓRDIOS DA FÁBRICA CERÂMICA DAS DEVESAS - 1865
"Uma vez regressado a Portugal e rodeado da esposa e dos filhos, o artista abandona a intenção de regressar a França e toma a decisão de se meter ao trabalho imediatamente, começando por reproduzir em cerâmica ( certamente sob influência do desenvolvimento que esta indústria tinha atingido nas fábricas de Vale da Piedade e Miragaia) algumas figuras (como a sua estátua “A União faz a força”) e vasos ornamentais modelados por ele”, sem descurar também a produção de figurinhas de costumes (1)
Para o efeito, comprou (ou alugou) nas Devesas (Gaia) um pequeno terreno onde construiu um forno e uma pequena oficina, para trabalhar a argila e moldar os gessos. (1) (2)
Na proximidade, alugou também uma pequena casa onde descansava, para não vir diariamente para a sua casa do Porto, na Rua de Miragaia, 146. (2)
A sua mulher, que estava grávida, mas não contava ter o filho tão cedo, não teve tempo para voltar ao Porto e acabou por dar à luz em Gaia. (2)
Foi por esta razão que nasceu António Teixeira Lopes, em 27 de Outubro de 1866, naquela modesta moradia, na R. Conselheiro Veloso da Cruz, 353, na qual a C. M. de Gaia mandou colocar uma placa em 1936. “O destino fez com que Gaia contasse com mais um grande artista”. (2)
Uma vez que a casa estava situada na proximidade do terreno onde tinha a oficina e aquela era relativamente próxima do local onde seria mais tarde erigido o edifício da Fábrica Cerâmica das Devesa, tal como existe actualmente, pode-se concluir que os imóveis utilizados por Teixeira Lopes foram mesmo o embrião desta fábrica.
Inicialmente, debateu-se com o problema da falta de compradores, fase difícil da sua vida. O seu primeiro grande cliente foi o engenheiro francês Charles Baumam, homem de grande distinção e reconhecida notável carreira profissional, muito estimado em Gaia, tendo-se tornado grandes amigos. (1)
(1) Mourão, Ramiro – “Exposition de Travaux de Teixeira Lopes (père), sculpteur et céramiste”, Edition des Amis du Monastère de La Serra do Pilar (1933), pg. 11 - (versão francesa manuscrita, tradução de responsabilidade do autor)
(2) Lopes, José Marcel Teixeira – “Teixeira Lopes íntimo e a bela época de 1900” in Boletim Cultural de Gaia, nº 2, Novembro de 1966, publicado pelo Grupo dos Amigos da Serra do Pilar, pg. 41
17.2 / TEIXEIRA & C.ª (1865–1867)
*José Joaquim junto da sua estátua “Andromeda” (cat. nº 10), fotografia autografada dos anos 60 do século XIX, uma das mais antigas que dele se conhecem. (colecção do autor)
De acordo com Ramiro Mourão, em 1866, o artista relaciona-se com Francisco Correia Breda, rapaz sério, que tinha alguns conhecimentos da indústria, em particular sobre o fabrico de vidros, permitindo a Teixeira Lopes adquirir conhecimentos mais profundos sobre técnicas de acabamento de peças de cerâmica. Breda associa-se com ele muito passageiramente, porque pouco tempo depois Francisco Correia Breda regressa ao Brasil. (3)
Deve colocar-se a hipótese da associação de Teixeira Lopes com Francisco Breda se ter iniciado logo após o seu regresso definitivo de Paris ( já poderiam conhecer-se anteriormente?) e a laboração cerâmica ter começado ainda em 1865, sendo marcadas peças com a firma Teixeira & C., como se verá abaixo.
Justificar-se-ia, desta forma, a atribuição da data de 1865 como a da fundação de facto do núcleo inicial da Fábrica de Cerâmica das Devesas, que é assumida oficialmente no catálogo da Fábrica de 1910 e que vem assim corroborar a hipótese que se está a desenvolver. Aliás, que motivo ponderoso levaria a Fábrica de Cerâmica das Devesas a atribuir-se uma data de fundação diferente da real?
De acordo com Ramiro Mourão, Teixeira Lopes “não podendo, por falta de recursos, comprar a Breda por doze moedas a sua parte na sociedade, esta é adquirida por António Almeida da Costa (1832-1915), seu amigo desde o momento em que dirigiu o pedestal da estátua de D. Pedro V”. (3)
Mourão é vago sobre o valor da quota de Breda, não informando qual o montante monetário total das doze moedas.
Deve ser referido que Teixeira Lopes poderia ter continuado sozinho, dado que, apesar do que escreve Ramiro Mourão, não seria difícil a Teixeira Lopes adquirir a quota de Breda, uma vez que, tratando-se duma microempresa, o seu valor seria muito reduzido.
Além disso, se os seus pais não teriam grande possibilidade de o ajudar, já o inverso se poderia dizer dos seus sogros, que eram abonados proprietários e certamente o apoiariam, pelo reconhecimento da capacidade e vontade que Teixeira Lopes demonstrava em desenvolver a sua actividade e, sobretudo, pela amizade que os unia, de tal forma que, devido à casa dos pais de José Joaquim ser pequena, era na habitação daqueles, casa rústica de apreciáveis dimensões, que o casal Teixeira Lopes/Rachel residia quando estavam na terra natal.
Esta casa viria a ser herdada por Rachel e foi usada pelo casal e família até à última década do século XIX, época em que Teixeira Lopes mandou construir uma casa nova na sua quinta, embora continuassem a ocupar a anterior, devido ao volumoso agregado familiar. (4)
Mas, o escultor ambicionava dar um salto qualitativo na sua actividade, transitando duma prática artesanal de pequena monta, para uma industrial de maior dimensão. Para tanto era-lhe necessário conseguir um sócio com apreciável capital próprio (ou com fácil acesso a crédito), disposto a aplicá-lo naquele negócio e de preferência com algum conhecimento da indústria, como tinha sido o caso de Breda.
Teixeira Lopes já conhecia Almeida Costa há uns anos, devido às parcerias artístico-comerciais já existentes entre eles (pelo menos desde 1862), em diversas obras, muito antes da fundação da Fábrica de Cerâmica das Devesas, nomeadamente o fornecimento de modelos de estátuas por parte de Teixeira Lopes, para serem copiados em mármore/pedra na oficina de Almeida Costa.
As parcerias mais paradigmáticas foram as dos concursos para a realização dos monumentos a Passos Manuel, D. Pedro IV e D. Pedro V.
O segundo concurso foi perdido, mas o primeiro e terceiro foram ganhos, tendo Teixeira Lopes, pela execução da estátua de D. Pedro V, obtido uma notoriedade imediata, o que aproveitou também a Almeida Costa e à sua oficina de mármores, que passou assim a poder dispor de um parceiro escultor destacado, que daria garantia de qualidade a qualquer obra futura que viesse a ser objecto de concurso. O que veio a suceder...Dito isto, e considerando o bom relacionamento, amizade mesmo, entre os dois parceiros, nada mais natural que Teixeira Lopes tenha convidado o segundo para substituir Breda. Por seu lado, Almeida Costa tinha visão e experiência suficientes para compreender que esta era uma excelente oportunidade de diversificar a sua actividade de canteiro-marmorista, sendo a produção cerâmica uma área que lhe poderia aportar uma excelente mais valia e um bom complemento para a sua oficina de mármores.
Almeida Costa reunia todas as condições: tinha dinheiro, adquirido através da sua oficina, sobretudo pela construção de capelas e jazigos funerários e elementos decorativos para os mesmos, tudo realizado em mármore, lioz ou granito, e de algumas empreitadas que a transcendiam, por requererem concurso de outras artes, de que são exemplo as referidas colaborações de Teixeira Lopes.
A quota de Breda foi assim comprada por Almeida Costa, ficando cada sócio com metade do capital. (3)
Entretanto, Almeida Costa já em 1864 se tinha instalado, em sociedade com João Bernardo de Almeida em terrenos a norte da actual Rua Conselheiro Veloso da Cruz, com a finalidade de produzir cal.
Esta empresa dissolveu-se em 1866, tendo Almeida Costa adquirido a quota de Bernardo de Almeida, incluindo terrenos, e toma posse, por compra ou aprazamento, da maioria dos terrenos onde se viria a instalar a futura Fábrica Cerâmica das Devesas. (5)
Certo é que Teixeira Lopes foi o fundador do núcleo primitivo da Fábrica (com as modestas instalações já referidas), iniciada sob a firma “Teixeira & C.”:
O seu neto José Marcel afirma que Teixeira Lopes “Foi o fundador da Fábrica de Cerâmica das Devesas, iniciada com a firma Teixeira & Cª. e só depois da entrada do sócio António de Almeida Costa tomou esse título (6)
Assim, embora os dois sócios tivessem paridade de quotas, a firma continua a ser “Teixeira & C.” e, em 1867, em estátuas assinadas “Teix.ra” surge pela primeira vez um carimbo oval com a marca “Fábrica das Devezas”. ( VER 19.3 COLECÇÕES DE ESTÁTUAS EM PORTUGAL - Casa do Chão Verde )
O nome de Costa só aparece na firma seguinte: “Costa, Breda e Teixeira Lopes”.
Seu filho António confirma-o: “meu pai fundou a Fábrica das Devesas onde trabalhou duramente mais de quarenta anos; mais tarde, aceitou-o (a Almeida Costa) como sócio (7)
Joaquim de Vasconcelos secunda estas afirmações, acrescentando informação adicional: a Fábrica de Cerâmica das Devesas tinha ”começado nas condições mais modestas em 1865 num barracão de madeira, com meia dúzia de oleiros“. (8)
Júlio Brandão refere sobre Teixeira Lopes: “…A Fábrica das Devesas, que criou e dirigiu artisticamente até há pouco, deve-lhe todo o seu esplendor e tôda a sua nomeada…” (9)
(3) Mourão, Ramiro – opus citada, pg 12
(4) Informação recebida oralmente de José Marcel Teixeira Lopes pelo autor
(5) Portela, Ana - “Devesas: as origens históricas da Fábrica de Cerâmica que mais marcou as fachadas de Ovar”, in “Dunas, revista anual sobre cultura e património da região de Ovar”, 2004, pg. 68
(6) Lopes, José Marcel Teixeira – “Teixeira Lopes íntimo e a bela época de 1900”, dactilografado, s/ data, pg. 41
(7) Lopes, António Teixeira – “Ao Correr da Pena Memórias duma Vida”, ed. em 1968 pela Câmara Municipal de Gaia, pg. 82
(8) Vasconcelos, Joaquim “A Ceramica Portugueza e sua Applicação Decorativa”, Porto, 1907; introdução a Prostes, Pedro – “Preliminar à Industria Ceramica”, Biblioteca de Instrucção Profissional, Lisboa, 1908, pg XXII
(9) Brandão, Júlio – “Festa de amor e de arte – No atelier de Teixeira Lopes” in “Atlântida” nº 16, de 15 de Fevereiro de 1917, pg. 248
Emílio Castelo Branco afina pelo mesmo diapasão: “No regresso (de Paris), (Teixeira Lopes) fundou a fábrica de ceramica que mais tarde, com a colaboração de António Almeida Costa, verdadeiro génio industrial, e não sei se de mais alguém, viria a ser a colossal Fábrica Cerâmica das Devezas” (10)
“O Dicionário de Artistas e Artífices do Norte de Portugal” afirma: “...(J J Teixeira Lopes) associado a Francisco Correia Breda, e depois a António de Almeida Costa, funda a Fábrica de Cerâmica das Devesas ” (11)
Um Dicionário de 1915 relata o seguinte sobre Teixeira Lopes:
“Regressando a Portugal em 1865, revezes da vida o obrigaram a procurar trabalho, visto já haver constituido familia. Dotado d’uma grande força de vontade conseguiu fundar a fabrica das Devezas, em Villa Nova de Gaia, que prosperou notavelmente, graças á sua intelligencia e á actividade que desenvolveu para que a sua empresa vencesse, como venceu, os obstaculos com que ao principio luctou”.(12)
Carlos Valle regista que (Teixeira Lopes) “quando regressara de Paris, por volta de 1865, estabeleceu-se nas Devesas, onde construíra um barracão, para se dedicar à cerâmica” (13)
Este facto é também confirmado por José Queirós que apresenta as seguintes marcas que foram utilizadas pela Fábrica de Cerâmica das Devesas:
A central, marca 648, em relevo (esta e outras em letra manuscrita) - TEIXEIRA & C. PORTO - foram usadas por Teixeira Lopes em esculturas de barro cozido de 1866 observadas por José Queirós. (14)
Esta marca existiu certamente desde 1865, dado que José Queirós atribui a esse ano a fundação da fábrica, a nosso ver correctamente. Mas, cai em contradição ao atribuir a António de Almeida Costa o papel de fundador, enquanto a marca analisada atribui predominância ao sócio “Teixeira”.
Aliás, como supra referido, Almeida Costa só se tornou sócio após a saída de Breda em 1866.
A da direita, marcas 651 e 652, a diferentes cores ou riscada na pasta (“Teixeira Lopes, pae”, como pintor ou escultor), referenciando portanto o artista executante, é usada em peças de “Fabrico recente” (14), é muito mais tardia, nunca anterior a 1890, já que Teixeira Lopes só adoptou essa assinatura a partir do momento em que seu filho António se revelou um escultor de elevado mérito, e, para se distinguirem facilmente, optou voluntariamente por se secundarizar face ao valor que via irradiar do filho.
A obtenção de uma menção honrosa por parte de António no Salon de Paris, atribuída nesse ano ao “Caim”, marca o início do seu reconhecimento a nível internacional e, certamente, influenciou decisivamente seu pai naquela pouco vulgar e altruística opção de conceder toda a ribalta ao filho, remetendo-se para uma subalternidade imerecida.
Mas, José Joaquim Teixeira Lopes assim o quis, sentindo decerto compensada com o brilhantismo que António começava a revelar, e que o conduziria aos altos voos artísticos que se sucederam, a sua mágoa por não ter estudado em Paris o tempo suficiente para atingir, quiçá ultrapassar, tal grau de virtuosismo.
A marca 181 da esquerda, tosca, gravada na pasta, é indicativa da “razão social” da Fábrica, não referenciando o artista executante da peça e é usada em peças de “Fabrico recente, a partir de 1873, como se verá. (15)
É acompanhada pela designação Fª DAS DEVEZAS, que surge pela primeira vez e que evoluirá para Fª CERÂMICA DAS DEVEZAS e mais tarde para Fª CERÂMICA E DE FUNDIÇÃO DAS DEVEZAS (1893).
É importante realçar que José Queiroz aplica a expressão “Fabrico recente” às marcas 651 e 652, o que não oferece dúvidas. Não assim relativamente à marca 181, que igualmente considerou “Fabrico recente”, apesar de estar em uso provavelmente desde 1873.
Esta marca, que desmerecia demasiado das peças onde terá sido aposta, foi substituída por uma idêntica com os mesmos dizeres, mas com as letras proporcionadas e sem o rectângulo (?) rabiscado de forma pouco profissional, sendo forçoso admitir que José Queiroz a tenha observado em peças muito afastadas de 1907, data da sua obra.
(10) Branco, Emílio Castelo – “Gente de Mafamude – O Sr. José Teixeira “ in “O Tripeiro” ano X Outubro de 1954, pg 185
(11) Ferreira Alves, Natália Marinho (Coordenadora) - “Dicionário de Artistas e Artífices do Norte de Portugal”, Edição Cepese, 2008, pg. 189
(12) Pereira, João Manuel Esteves, e Rodrigues, Guilherme (coordenadores)-“Portugal: diccionario histórico, chorographico, heraldico, biográfico, bibliográfico, numismatico e artístico”, João Romano Torres C.ª Editores, 1915, vol VII,pg 71
(13) Valle, Carlos – “O Centenário de Teixeira Lopes” in Boletim Cultural de Gaia, nº 2 , Novembro de 1966, publicado pelo Grupo dos Amigos da Serra do Pilar, nota da pg. 21
(14) Queirós, José - “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, Editorial Presença, 3ª edição, 1987, pg 323
(15) idem, pg. 276
17.3 / COSTA, BREDA & TEIXEIRA LOPES (1868-1870)
* Teixeira Lopes e Almeida Costa (provável década de 60) (fotografia pertencente à Casa-Museu Teixeira Lopes)
A sociedade Costa, Breda & Teixeira Lopes, foi constituída em Dezembro de 1867 e dissolvida em Julho de 1870. Dedicava-se à produção artística e exercia a sua actividade no quarteirão situado a norte da Rua Conselheiro Veloso da Cruz, como já sucedera com a Teixeira & C.ª. (15)
Teixeira Lopes incorpora na novel firma os seus modelos de estátuas.
Aparentemente, as primitivas instalações da primeira fase (Teixeira & C.ª) seriam localizadas também a nascente da estação das Devesas, uma vez que a casa alugada por Teixeira Lopes era a nº 353 e o terreno onde instalou a sua actividade cerâmica era muito próximo, embora a sua localização exacta seja desconhecida. Estas instalações seriam absorvidas na segunda fase da Fábrica, sendo que a casa citada, onde nasceu António Teixeira Lopes, foi durante algum tempo o local de funcionamento da sua cantina, dirigida por Rachel, esposa de Teixeira Lopes. (16)
Romero Vila, citando um documento notarial, refere que Almeida Costa “iniciou a sua pequena fábrica...compõe-se duma casa térrea...outra dum andar...ambas tendo frente para a Rua da Fonte Santa e que o restante terreno que medeia entre estas casas está vedado por um muro em frente da mesma rua, achando-se no interior dele edificados barracões e fornos e sendo todo o edifício ou prédio empregados numa fábrica de louças e esculturas”. (17)
Como não é indicada data, só se pode conjecturar que seria nestas instalações que a Costa, Breda & Teixeira Lopes iniciou funções em 1867, ou talvez antes, tendo Teixeira Lopes passado a trabalhar nas mesmas.
Esta segunda fase, iniciada provavelmente por volta de 1866/67, requeria uma importante injecção de dinheiro para suportar os investimentos indispensáveis, que Almeida Costa e Teixeira Lopes em conjunto não podiam assegurar.
O novo sócio Bernardo José da Costa Soares Breda, considerado capitalista (18), surge como um investidor com capacidade financeira e, como tal, terá sido convencido por Almeida Costa a participar fortemente nesta fase de expansão da Fábrica das Devesas. Mesmo assim, o recurso a capitais alheios tornou-se necessário e Almeida Costa, que conhecia abastados capitalistas, conseguiu que eles financiassem a empresa: Félix de Las Casas dos Santos, visconde de Las Casas (1822-1876) (19), e seu amigo António Lourenço Correia (1828-1879) (20)
Bernardo Breda seria parente de Francisco Correia Breda, o primitivo sócio de Teixeira Lopes? O primeiro era um capitalista, enquanto que o segundo parece ser um simples oleiro com conhecimento da arte, mas sem fortuna. Não foi possível averiguar a existência de ligação entre ambos...
A sociedade desmembrou-se em 1870, tendo todos os sócios tido prejuízos, mas Teixeira Lopes e Almeida Costa continuaram a trabalhar em conjunto, após a saída de Bernardo José da Costa Soares Breda
(15) Portela, Ana Margarida - “A Fábrica de Cerâmica das Devesas – Património Industrial em risco” in http://www.queirozportela.com/devesas.htm. / página consultada em 12 de Abril de 2014
(16) Informação gentilmente fornecida pela Dr.ª Raquel Martino da Casa-Museu Teixeira Lopes
(17) Vila, Romero – “A Fábrica do Costa das Devezas”, Boletim da Associação Cultural dos Amigos de Gaia, nº5, Outubro de 1978, pg. 5
(18) ”O Luzo - Africano”, nº 119, Lisboa,11 de Dezembro de 1901, pg.2
(19) Portela, Ana Margarida – “A Ornamentação cerâmica da Casa do Chão Verde”, in “A Encomenda. O Artista. A Obra”, Cepese publicações, 2010, pg. 40
(20) idem, pgs 47 e 48
17.4 / ALMEIDA COSTA & Cª (1874 - 1880)
Por escritura notarial de 2 de Julho de 1874 é formada a sociedade António Almeida da Costa & Cª, considerando-se o seu início de actividade reportado a 1 de Janeiro de 1873. (21) No entanto existem facturas em nome da firma em 1870 e 1871. (VER 19.3 COLECÇÕES DE ESTÁTUAS EM PORTUGAL - Casa do Chão Verde).
Almeida Costa, como sócio largamente maioritário, empresta o seu nome à firma e detém a Direcção Financeira e os Negócios Sociais, Teixeira Lopes fica com a Direcção Técnica responsável pela Modelação das Esculturas e a sua Administração e Feliciano Rodrigues da Rocha (1841-1930), canteiro conterrâneo de António Almeida da Costa e seu colaborador na oficina de mármores, com a Escrituração e Cobrança.
* Feliciano Rodrigues da Rocha (Foto de familiar do autor)
Esta sociedade que se prolonga até Fevereiro de 1880 tem por finalidade dirigir a Fábrica de Cerâmica das Devesas e a Oficina de mármores no Porto. (15) (21)
Por outra escritura celebrada na mesma data, a sociedade toma de arrendamento pelo período de vinte anos, os seguintes imóveis detidos por António Almeida da Costa: terrenos, uma casa e alguns barracões para estatuária e depósito de materiais e cal, e dois fornos cobertos, na freguesia de Santa Marinha, à estação de combóio das Devesas. (21) Seriam certamente as mesmas instalações descritas por Romero Vila acima referidas.
Esta era em 1874 a descrição do ainda modesto conjunto de edificações da Fábrica. As precárias instalações foram ampliadas, permitindo a contratação de trabalhadores para aumentar a produção da Fábrica. Mas não é ainda o grande conjunto fabril que, anos depois, na viragem do século, marcará o auge da prosperidade da empresa.
* O edifício da Fábrica (Catálogo da década de 1890)
(21) Soeiro, Teresa e outros - “A Cerâmica Portuense – Evolução Empresarial e Estruturas Edificadas” in “Portugalia” Nova Série, vol. XVI, 1995, pg 263
17.5 / ALMEIDA COSTA & ROCHA (1880-1903)
Para gerir a Oficina de mármores, Costa associa-se com Feliciano Rodrigues da Rocha em 1880 , tendo esta sociedade sido dissolvida em 1903. (22)
Esta empresa, que funcionou na Rua do Laranjal, 169 a 175, também vendia materiais de construção e objectos cerâmicos produzidos na Fábrica das Devesas, como se constata no prospecto abaixo, de 1888, cujo verso serve de recibo relativo à venda de telhões.(23)
* extraído de gisaweb.cm-porto.pt
No âmbito da Oficina de mármores, em 30/10/1879 a empresa, embora ainda não formalmente constituída, obtém a Licença de Obra nº 528/1879 para construção de um Jazigo no Cemitério de Agramonte, para Ernesto Chardron. (24)
Obtém também a Licença de Obra nº 256/1880 de 18/11/1880 para construção de um Mausoléu no Cemitério de Agramonte. (24)
(22) Portela, Ana - “Devesas: as origens históricas da Fábrica de Cerâmica que mais marcou as fachadas de Ovar”, in “Dunas, revista anual sobre cultura e património da região de Ovar”, 2004, pg. 69
(23) in gisaweb.cm-porto.pt/units-of-description/documents/589791/. página consultada em 10 de Abril de 2016
(24) Arquivo Municipal do Porto
17.6 / A CRIAÇÃO DA SUCURSAL NA PAMPILHOSA DO BOTÃO
* Edifício da sucursal à data da fundação, encimado pela estátua da “Indústria” (cat. 44) (fotografia do catálogo de 1910 da Fábrica das Devesas)
Em 1886 é fundada uma Sucursal das Devesas na Pampilhosa do Botão, que é gerida localmente por João Teixeira Lopes (irmão de José Joaquim Teixeira Lopes) e seus filhos Adriano, Júlio e Joaquim. Localizada estrategicamente num local de cruzamento de linhas de comboio e próximo de jazidas de barro, tinha todas as condições para poder prosperar. Produzia fundamentalmente produtos feitos á base de cerâmica vermelha, refractária e grés, principalmente para construção. (25) (26)
* Vista parcial da Fábrica em 1901 in http://artelivrosevelharias.blogspot.pt/2013/04/a-fabrica-das-devezas-na-pampilhosa.html
* Prospecto em que a sucursal é assinalada com carimbo “PAMPILHOSA / página consultada em 12 de Maio de 2015
Em 1901 as instalações são modificadas por uma nova gerência e passam a dispor dum depósito de produtos e de uma exposição permanente com secção de vendas. Trata-se da resposta à instalação, nesse mesmo ano, da concorrente Fábrica “Mourão, Teixeira Lopes & Cª., fundada por Júlio e Francisco Bastos Mourão e pelo Arquitecto José Teixeira Lopes, sendo sócio técnico Adriano Teixeira Lopes. O pai deste, João, estabelecera-se na Pampilhosa do Botão, onde era uma figura respeitada e que interveio na conclusão do amplo teatro desta povoação, que fora delineado por Adriano.
* Publicidade de 1907. http://www.santanostalgia.com/2013/11/ceramica-da-pampilhosa.html. / página consultada em 12 de Maio de 2015
Para esta fábrica também transitaram Júlio e Joaquim Teixeira Lopes, irmãos de Adriano, que pertenciam igualmente à Sucursal das Devesas. De frisar que José Joaquim Teixeira Lopes se manteve no seu posto nas Devesas e nada teve a ver com esta nova fábrica. (27) Para edificar a fábrica, de acordo com um plano já gizado há algum tempo, foram sendo adquiridos terrenos, apesar dos obstáculos criados por Almeida Costa e a família Rocha, que reagiram muito mal, como é compreensível, a esta iniciativa que beliscava os seus interesses. (28)
Por ironia do destino, quando Feliciano da Rocha saiu da firma Almeida Costa & Rocha (VER 17.7 A FÁBRICA DE CERÂMICA E DE FUNDIÇÃO DAS DEVESAS E A SAÍDA DE SÓCIO DE FELICIANO RODRIGUES DA ROCHA) seus filhos também fundaram uma firma de indústria cerâmica (em Oliveira do Bairro). (28)
(25) http://www.jf-pampilhosa.pt/index.php?option=com / página consultada em 5 de Março de 2017
(26) http://www.lugaresesquecidos.com/forum/viewtopic.php?t=1657 / página consultada em 5 de Março de 2017
(27) Lopes, António Teixeira – “Ao Correr da Pena Memórias duma Vida”, ed. em 1968 pela Câmara Municipal de Gaia, pgs 328 e 329
(28) idem, pg. 329
17.7 / A FÁBRICA DE CERÂMICA E DE FUNDIÇÃO DAS DEVESAS E A SAÍDA DE SÓCIO DE FELICIANO RODRIGUES DA ROCHA
* Prospecto publicitário posterior a 1892 e anterior a 1901, data de encerramento da Oficina da Rua do Laranjal)
“A partir da criação da secção de fundição no seu complexo fabril, entre 1881 e 1884, António Almeida da Costa passou a ser o único industrial do Porto com capacidade para construir uma capela sepulcral com acessórios inteiramente produzidos nas suas oficinas. Esta passava a ser uma grande vantagem de António Almeida da Costa relativamente aos seus concorrentes, pois todas as oficinas do seu complexo fabril promoviam-se mutuamente, funcionando como uma concentração horizontal – a primeira e a maior que alguma vez existiu em Portugal em termos de artes industriais”. (29)
Em 1893, através de instrumento particular, procede-se a grandes modificações na sociedade: esta passa a englobar as oficinas de mármores e fundição de metais, passando a fábrica a designar-se como “Fábrica Cerâmica e de Fundição das Devesas”, alargando assim o âmbito do objecto social da empresa. (30)
Na ocasião, Feliciano da Rocha deixa de ser sócio, embora a formalização notarial só tenha ocorrido em 1 de agosto de 1903, sendo a sua quota absorvida por António de Almeida da Costa, que passa a ser administrador da sociedade, mantendo-se Teixeira Lopes como sócio industrial. (30)(31)
(29) Portela, Ana Margarida - “A Fábrica de Cerâmica das Devesas – Património Industrial em risco” in http://www.queirozportela.com/devesas.htm. / página consultada em 12 de Abril de 2014
(30) Soeiro, Teresa e outros - “A Cerâmica Portuense – Evolução Empresarial e Estruturas Edificadas” in “Portugalia” Nova Série, vol. XVI, 1995, pg 271
(31) Romero Vila – “A Fábrica do Costa das Devezas”, in Boletim dos Amigos de Gaia, de Maio de 1979 , pg.6
17.8 / A PRODUÇÃO DA FÁBRICA
* Molde (fotografia de http://noticias.sapo.pt/fotos/antiga-fabrica-ceramica-das-devesas-votada-ao-abandono_223304/5016620615afe20f790026c7)
A Fábrica produzia todo o tipo de cerâmicas, quer para decoração, quer para construção:
No catálogo de 1910, constam para cima de mil peças: bustos, estátuas, grupos, louça sanitária, estuques, materiais de construção, artigos em grés, canalizações, mosaico hidráulico, azulejo, serralharia, fundição e cantarias. (32) (33)
* Depósito de Estátuas (fotografia do Catálogo da Fábrica de 1910)
A publicidade da Fábrica das Devesas baseava-se nos seus prospectos e catálogos, em exposições nacionais e internacionais, ou realizadas na própria fábrica, incluindo os mostruários nela existentes.
A telha de Marselha, que a Fábrica introduziu em Portugal, foi estudada em França por Almeida Costa e Teixeira Lopes, tendo ultrapassado a francesa em termos de qualidade e evoluído ao longo dos anos. (34)
São conhecidas várias histórias mais ou menos fantasiosas relativas à forma como foi recolhida a informação necessária à reprodução da dita telha. Por carecerem de comprovação, não são aqui abordadas.
1881- “A produção de telha de Marselha, para a qual foram inventados moldes bem conseguidos, tem vindo a aumentar de qualidade, mas sofre forte concorrência da francesa”. (35)
1899 - “...(O) fabrico (das Devesas) rivaliza no mercado com a (telha) legitima, não lhe sendo inferior em qualidade, mas até mais impermeável e resistindo à neve como nenhuma outra”. (34)
1905 – “Pelas observações e experiencias feitas com as telhas da fabrica (Devesas)..., na direcção do caminho de ferro do Minho e Douro, prova-se que os produtos d’este fabricante são superiores aos idênticos de uma fabrica de Marselha das mais acreditadas”.
O engenheiro Augusto Carvalho daquela direcção emitiu um atestado nesse sentido, em que compara a telhas produzidas nas Devesas e sua sucursal da Pampilhosa com telhas provenientes da fábrica Arnaud & Cª de Marselha e, em resumo, considera as nacionais sensivelmente mais leves, menos permeáveis à água, tão perfeitas como as francesas e de qualidade idêntica.(36)
(32) Catálogo de 1910
(33) Para aprofundar esta matéria, em particular sobre outros catálogos, consultar: Queiroz, Francisco - “Os Catálogos da Fábrica das Devesas”. Chiado Editora, 2016
(34) Lepierre, Charles – “ Estudo Chimico e Technologico sobre a Ceramica Portugueza Moderna”, Imprensa Nacional, Lisboa, 1899, pg 186
(35) “Relatorio apresentado ao Ex.mo Snr. Governador Civil do Districto do Porto pela Sub-comissão encarregada das visitas aos estabelecimentos industriaes”, Porto, Typ de Antonio José da Silva Teixeira, 1881,pgs. 290 e 294
(36) “Estudo sobre o Estado Actual da Industria Ceramica na 2ª Circumscripção dos Serviços Technicos da Industria”, Lisboa, Imprensa Nacional, 1905, pgs. 37 e 38
17.9 / DESCRIÇÃO DA FÁBRICA
* Oficinas de Fundição e Serralharia (fotografia do Catálogo da Fábrica de 1910)
Em 1881, foi realizado um inquérito industrial que deu origem a um relatório, com muita informação sobre a Fábrica das Devesas, constituindo um retrato da mesma, que se transcreve de forma resumida e adaptada, quando necessário, e com português mais actual: (37)
“A fábrica está estabelecida num campo, bordando a estrada, um pouco aquém da estação do caminho de ferro.
A instalação à esquerda da estrada contem as oficinas principais, com 4 fornos: um circular contínuo para telha, um para grés e louças, um para louça com duas câmaras sobrepostas e um contínuo para gesso com duas câmaras.
Aqui se situam oficinas, armazéns e secadouros, além de diversos equipamentos e aparelhos, como prensas, dornas, tanques, motor a vapor, tudo mal protegido por um abarracamento de madeira.
Todas as máquinas foram fabricadas no Porto, sendo concebidas pelos directores da Fábrica ou copiadas de modelos estrangeiros. O resultado é satisfatório.
A instalação à direita da estrada contem a dependência de fabrico de louça de faiança, o escritório e o armazém de produtos artísticos.
Existe um caminho de ferro, que liga as várias oficinas, que se situam num mesmo pavimento, e um torno e uma serra a vapor circular, ambos movidos pelo motor, que é uma locomóvel Ransomes de 16 cavalos, que consome 500kg de carvão em 12 horas, suficiente para fazer funcionar todos os aparelhos da fábrica.
A fábrica não está longe da sua capacidade máxima de produção.
A empresa tem 30:000$000 de capitais próprios e 15:000$000 de empréstimos recebidos, apresentando uma taxa de lucro líquido de 8,8%.”
Trabalham nela 180 operários, sendo 100 homens, 50 mulheres e 30 rapazes (dos dez aos quinze anos). Há 8 pintores, 10 rodistas, 13 formistas, 18 forneiros, 20 telheiros e os restantes 111, não sendo especializados, fazem serviços diversos. Acrescem 30 pessoas dedicadas ao fabrico de louça de faiança. O total geral de pessoal é assim de 210.
De 1881 a 1897, o número de trabalhadores sobe para 700, sendo 400 homens, 50 mulheres e 250 menores, (38) evidenciando um enorme crescimento, que obrigou a aumentar e transformar profundamente os edifícios da fábrica, dando-lhes a configuração que subsiste até hoje, embora muito arruinada, e a renovar/adquirir mais equipamentos, de molde a aumentar muito significativamente a sua capacidade produtiva que, como se viu, estava quase a atingir o seu máximo de ocupação em 1881.
O número de trabalhadores passa de 121 (em 1876), para 210 (em 1881) e para 700 (em 1897), embora em 1900 tivesse só 600, a fazer fé no catálogo da Exposição de Paris. A diferença deve estar relacionada com a inclusão (ou não) do efectivo que trabalhava na sucursal da Pampilhosa, que em 1905, era constituído por 38 menores de 16 anos, 50 mulheres e 79 homens, o que perfaz uma média de força de trabalho de 167 pessoas. (39)
Graças a este enorme aumento da capacidade produtiva, a fábrica vê o valor da sua produção crescer em conformidade de 43 000$000 reis em 1881 para 200 000$000 reis em 1891, valor que persiste em 1900, data a que se devem reportar as estatísticas do livro que José Queirós editou em 1907.
(37) “Relatorio apresentado ao Ex.mo Snr. Governador Civil do Districto do Porto pela Sub-comissão encarregada das visitas aos estabelecimentos industriaes”, Porto, Typ de Antonio José da Silva Teixeira, 1881, pgs.289 a 294
(38) Soeiro, Teresa e outros - “A Cerâmica Portuense – Evolução Empresarial e Estruturas Edificadas” in “Portugalia” Nova Série, vol. XVI, 1995, pg 271
(39) “Estudo sobre o Estado Actual da Industria Ceramica na 2ª Circumscripção dos Serviços Technicos da Industria”, Lisboa, Imprensa Nacional, 1905, pg. 35
(40) Queirós, José - “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, Editorial Presença, 3ª edição, 1987, pg. 410
17.10 / A FÁBRICA DAS DEVESAS NO CONTEXTO DA INDÚSTRIA TRANSFORMADORA PORTUGUESA (41)
Em 1881, a firma A. Almeida Costa & Cª era a maior empresa cerâmica portuguesa em número de empregados (180), cabendo-lhe nesse parâmetro o 35º lugar no cômputo geral das 50 maiores empresas da Indústria Transformadora nacional, seguida de perto pela Vista Alegre (179) e João dos Rios, que explorava então a Fábrica de Santo António de Vale Piedade (148), e também a que dispunha de maior potência de motores (16 cavalos vapor), contra 14 da Vista Alegre e 0 da João dos Rios, em que o trabalho era totalmente manual.
Já no que respeita ao valor da sua produção, era segunda (40 contos de réis), sendo primeiras, ex aequo, as duas fábricas concorrentes referidas (50 contos de réis).
Todavia, Almeida Costa & Cª , em termos de capital aplicado em maquinaria e de valor da sua produção, ficava muito abaixo doutras sectores da indústria transformadora (o que aliás também sucedia com as suas concorrentes), sendo, assim, uma empresa de mão-de-obra muito intensiva e de baixa produtividade.
Tal ficou a dever-se às especificidades próprias da indústria cerâmica: se um razoável nível de mecanização era possível na produção orientada para utilização na construção civil, já o inverso se impunha na produção cerâmica de carácter artístico, em que a mecanização é, por sua natureza, muito difícil ou mesmo impossível, sobretudo se se pretende manter elevados níveis de qualidade.
No início da 1ª Guerra Mundial (1914), a Fábrica das Devesas e a Vista Alegre continuam entre as 50 maiores empresas da Indústria Transformadora nacional, embora a João dos Rios tenha cedido o lugar à Gilman, Lda, que passa a liderar em número de trabalhadores (751), seguida pelas Fábrica das Devesas (550), que sobe para nº 25 na lista das 50 maiores empresas, e a Vista Alegre (331).
As Devesas passaram a liderar em potência de motores (300 cavalos vapor), o que traduz um brutal crescimento neste domínio, tendo por intuito dar maior ênfase à cerâmica para construção.
(41) Neves, Pedro José Marto – “Grandes Empresas Industriais de um país pequeno: Portugal. Da Década de 1880 à 1ª Guerra Mundial” – Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Doutor em História Económica e Social – Instituto Superior de Economia e Gestão, Lisboa , 2007
17.11 / COLABORADORES DA FÁBRICA E FACILIDADES CONCEDIDAS A ARTISTAS
Por vezes, confundia-se com a “Fábrica Cerâmica das Devesas”, por usar moldes emprestados por esta para produzir estátuas e as marcas “Fábrica de Louça das Devesas” e também “José P. Valente Fª Devesas” (acrescentando Porto por vezes), a primeira para as louças, a segunda para as estátuas e para peças ornamentais semelhantes às daquela Fábrica, tais como globos e abacaxis para exterior.(43)
Foi notável pintor de azulejos e executou o retrato a óleo do sogro, bem como pintou o “Cristo morto” que este fez para Valença. No Almanak de 1880, era dado como desenhador e residente na R. Marquês Sá da Bandeira, 22, Vila Nova de Gaia (45)
Foi também pintor de imagens sacras de António Teixeira Lopes.
Eis uma missiva de 1904 e um memorando de 1906 por ele enviados a seu tio em papel timbrado das Devesas:
* Documentos colecção do autor
A maioria dos escultores de Gaia e Porto, incluindo estudantes, utilizou as instalações das Devesas, usou o seu barro e lá o modelou e cozeu. Entre eles estava Soares dos Reis. (53)
Já António Teixeira Lopes foi um caso à parte: foi trabalhador da empresa desde muito novo, fazendo pequenas estatuetas e olhos de vidro. (54)
(42) Soeiro, Teresa e outros - “A Cerâmica Portuense – Evolução Empresarial e Estruturas Edificadas” in “Portugalia” Nova Série, vol. XVI, 1995, pg 272
(43) vide Instituto Portucale de Cerâmica Luso -Brasileira (Brasil) e 19. ESTATUÁRIA DIVERSA
(44) Queirós, José - “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, Editorial Presença, 3ª edição, 1987, pg 123
(45) Almanak de 1880
(46) “Panorama: revista portuguesa de arte e turismo”- vol. 3, 1956
(47) http://serralvesantiguidades.com/index.php/leiloes/item/11071-1167
(48) Tradição oral familiar
(49) Lopes, José Marcel Teixeira – “Teixeira Lopes íntimo e a bela época de 1900”, dactilografado, s/ data, pg. 55
(50) idem, pg.56
(51) Queirós, José - “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, Editorial Presença, 3ª edição, 1987, pg 123
(52) Lopes, António Teixeira – “Ao Correr da Pena Memórias duma Vida”, pg. 91
(53) Romero Vila – “ A Fábrica do Costa das Devezas”, in Boletim dos Amigos de Gaia, de Maio de 1979 , pg. 7
(54) Lopes, António Teixeira – “Ao Correr da Pena Memórias duma Vida”, pg. 5
17.12 / VENCIMENTOS DOS MESTRES
O Mestre de escultura cerâmica (Teixeira Lopes, que dirigia toda a produção artística) vencia 450.000 reis por ano.
António Teixeira Lopes, nas suas memórias, descreve de forma algo amarga o modo como os lucros societários eram distribuídos, com evidente, legal e natural subalternidade de seu pai, que considerava injusta, tanto mais que, desde o início da sua colaboração com Almeida Costa e durante largos anos, a divisão era paritária, e também o desapego daquele, que confiando totalmente em Almeida Costa descurava por completo o controlo da contabilidade:
“Quanto talento desbaratou (José Joaquim Teixeira Lopes) sempre em luta com a necessidade, nessa fábrica das Devesas, em convívio com um sócio ganancioso, banal, interesseiro e egoísta, que tirou dele tudo quanto pôde em seu proveito. O sócio escultor, com o trabalho todo, ganhava uma terça parte, sendo o resto, o mais importante dos lucros, para aquele que nada fazia. “(55)
”...o meu pobre pai não ia nunca examinar livros, deixando durante muitos anos que se fizesse a escrita como o Costa bem queria e bem mandava”. (56)
O Mestre maquinista, que cursou três anos o Instituto Industrial do Porto, tendo aprendido depois com Teixeira Lopes e inventado algumas máquinas da fábrica, vencia 300.000 reis por ano.
O Mestre cerâmico, que aprendeu na Vista Alegre e visitou a exposição de Paris de 1855, vencia 320.000 reis por ano. Trata-se de João José da Fonseca, que trabalhara com Rocha Soares, administrara a fábrica do Cavaco e introduzira o grés na fábrica de Vale Piedade. (57)
(55) Lopes, António Teixeira – “Ao Correr da Pena Memórias duma Vida”, pg. 253
(56) idem, pg. 115
(57) Soeiro, Teresa e outros - “A Cerâmica Portuense – Evolução Empresarial e Estruturas Edificadas” in “Portugalia” Nova Série, vol. XVI, 1995, pg. 263
17.13 / COMERCIALIZAÇÃO INTERNA E MERCADOS ESTRANGEIROS
* Factura de 1894
A produção era vendida sobretudo para o mercado interno e antigo Ultramar, Brasil e Espanha.
A “Cerámica Madrileña”, fundada em 1878 pelo engenheiro industrial Baldomero Santiagós e pelo banqueiro Bruno Zaldo, foi a primeira fábrica de produtos cerâmicos instalada com êxito em Madrid, essencialmente para a construção civil. (58)
Mantinha relações comerciais com a Cerâmica das Devesas, podendo especular-se que é provável que esta vendesse aos espanhóis essencialmente cerâmica artística. Baldomero tinha ligação com Teixeira Lopes, que chegou a estar hospedado em casa daquele em 1885 (VER 17.15 VIAGENS DE ESTUDO E NEGÓCIOS) (59)
(58) http://www.madrimasd.org/cienciaysociedad/patrimonio/rutas/arqueologia/Memoria/Memoria-barro/Ceramnica-Madrilena.asp. / página consultada em 11/10/2017
(59) Lopes, António Teixeira – “Ao Correr da Pena Memórias duma Vida”, pg. 11
17.14 / OS SÓCIOS E AS FIRMAS VISTOS PELOS ALMANAQUES
No “Almanak Português do Commercio e Industria... para 1880”, Almeida Costa era referido como “escultor de costumes nacionais” e “canteiro de pedra mármore”, sediado na R. do Laranjal, 173, o que é estranho, porque aquela tarefa competia a Teixeira Lopes.
No “Almanak do Porto...de A.Vieira Paiva para 1890”,Teixeira Lopes era considerado escultor em madeira e pedra, sediado na R. Marquês de Sá da Bandeira, 22, Gaya. Igual classificação era atribuída a Almeida Costa, da R. Das Devezas, a Almeida Costa & Rocha, da Rua do Laranjal, 169, e a Almeida Costa & C.ª, da Rua dos Martyres da Liberdade, 118.
Não foi encontrada outra fonte que confirme a actividade da Almeida Costa & C.ª na R. Martyres da Liberdade, 118...
No “Almanak do Porto... de J. Vieira da Silva para 1900”, Teixeira Lopes era considerado escultor em madeira, sediado na R. Marquês de Sá da Bandeira, 22, o que não sendo errado é muito redutor, porque esculpiu em mármore, pedra, marfim e modelou sobretudo em barro, gesso e cartão.
No mesmo Almanak, seu filho Arquitecto José, através da sua firma José Teixeira Lopes & C.ª era considerado escultor em madeira e pedra, sediado na Praça da Batalha, 92. Na realidade, tinha oficina de mármores para construção e criou fogões de sala e outros objectos ornamentais em madeira, mas a sua actividade essencial era a de arquitecto.
Ainda no mesmo Almanak, a firma António Almeida da Costa & C.ª esculpia em pedra e era sediado na R. do Laranjal, 173 e na R. das Devesas, Gaia. Faziam trabalhos em mármore, de facto, mas a produção cerâmica era predominante.
17.15 / VIAGENS DE ESTUDO E NEGÓCIOS
Em 1889, Teixeira Lopes e Almeida Costa viajaram pela Europa para visitar fábricas congéneres da sua e constatar da evolução das mesmas e detectar novidades interessantes que pudessem replicar nas Devesas. (60)
Os dois já tinham estado em Marselha a estudar a telha do mesmo nome. (61)
Teixeira Lopes esteve na Alemanha a “praticar nas indústrias das porcelanas e faianças, onde conseguiu fazer tudo quanto quis”. (61)
Teixeira Lopes acompanhou seu filho António, quando este viajou para estudar em Paris em Maio de 1885. A viagem seguiu via Madrid, onde José Joaquim tinha negócios a tratar com a família Baldomero, referentes à Fábrica Cerâmica das Devesas; aí permaneceram uma semana, sendo amavelmente ciceroneados pela família madrilena que os levou a todos os pontos de interesse da capital, incluindo teatros e o museu do Prado. (62)
Teixeira Lopes e Almeida Costa visitaram também a Expo de Paris 1889, tendo sido recebidos e sempre acompanhados por António Teixeira Lopes, que os alojou no seu ateliê. Ambos muito apreciaram a Exposição, tendo ficado maravilhados com as fontes luminosas no festival nocturno em honra do Xá da Pérsia! (63)
Visitaram ainda Marrocos no final do século XIX, que muito os terá impressionado pela beleza e exotismo que muitas das suas construções transmitem e que muito os influenciou. (64)
(60) Leão, Padre Manuel – “A Arte em Vila Nova de Gaia”, pg.130
(61) Lopes, José Marcel Teixeira – “Teixeira Lopes íntimo e a bela época de 1900”, dactilografado, s/ data, pg. 41
(62) Lopes, António Teixeira – “Ao Correr da Pena Memórias duma Vida”, pg. 11
(63) idem, pgs. 67 a 69
(64) Tradição oral familiar
17.16 / A REFORMA DOS EDIFÍCIOS DA FÁBRICA, SUCURSAL E DEPÓSITOS
Dessa visita nasceu, certamente, a opção de utilizarem o estilo neo-árabe em diversas edificações do complexo da Fábrica das Devesas ou com ela correlacionados, incluindo o próprio palacete residência de Almeida Costa, a Creche e o Asilo, que ele mandou edificar. O desenho de todas estas construções é atribuível a Teixeira Lopes.
O que foi referido em 17.6 permite entender o motivo por que o Arquitecto José Teixeira Lopes, filho de José Joaquim Teixeira Lopes, não foi encarregado de projectar as diversas obras que a Fábrica das Devesas levou a cabo, nos finais do século XIX e início do XX. A posição de sócio que José detinha numa fábrica na Pampilhosa concorrente com a da Sucursal das Devesas impedia, obviamente, tal possibilidade.
Tal não implica que se possa liminarmente afirmar que José, informalmente, não tenha eventualmente aconselhado seu pai nos projectos de arquitectura e decoração de exteriores e interiores que este terá certamente realizado no âmbito da A. Almeida Costa & C.ª.
* As instalações da Fábrica das Devesas na actualidade
17.17 / DEPÓSITO DE JOSÉ FALCÃO
* fotografia actual do Depósito
* prospecto que referencia o Depósito
Com a prevista demolição de alguns quarteirões da baixa portuense, incluindo os antigos Paços do Concelho e a Rua do Laranjal, foi decidido que a oficina de mármores seria transferida para um novo edifício, com entrada pela Rua da Conceição, onde, simultaneamente, seria criado um grande depósito-mostruário dos produtos das Devesas, com entrada pela sua frente principal, Rua D. Carlos, 199, (actual Rua de José Falcão)
O edifício foi construído ao abrigo da licença de obra 233/1899 de 1899/09/01 (constante do Arquivo Municipal do Porto), destinada à construção dum Depósito de Madeiras (?), o que é estranho porque tal não era o objectivo do mesmo...
O Depósito de Materiais da Companhia Cerâmica das Devesas, na Rua José Falcão,199, Porto foi classificado em 2014 como Monumento de Interesse Público pela Secretaria de Estado da Cultura, mediante a Portaria n.º 960/2014, que atribui o “risco” do edifício ao Mestre José Joaquim Teixeira Lopes e considera que o edifício “constitui um exemplo destacado da melhor produção ceramista do início do século XX em Portugal, e da sua aplicação à arquitetura, e um importante testemunho da corrente revivalista neoárabe portuense”. (65)
“Foi arquitecto das novas instalações da fábrica o dito José Joaquim Teixeira Lopes, pai do célebre escultor do mesmo nome, o primeiro duma dinastia de artistas. Da autoria de Teixeira Lopes devem ser igualmente os projectos da casa da R. José Falcão, no Porto, bem como os edifícios da Creche e do Asilo de Vila Nova de Gaia, mandados edificar por Almeida da Costa, bem como a casa de habitação que foi deste industrial, hojepropriedade da Misericórdia de Gaia”. (66) (67)
O depósito ainda hoje existente na Rua José Falcão, que se destacava (e destaca ainda) pela original decoração das suas fachadas, as quais se encontram revestidas de vistosos azulejos de alto relevo, com desenhos geométricos e fitomórficos à maneira árabe, e soberbos estuques no interior. É de salientar o carácter singular do prédio e dos seus azulejos únicos e a raridade em Portugal de edificações neoárabes como esta.
O revestimento deste «simples» depósito não deixava de constituir igualmente uma forma original de anunciar os produtos da empresa. Os próprios alçados exteriores funcionariam como autêntico mostruário das peças produzidas na fábrica, à semelhança do que sucedia com esta.
O edifício foi inaugurado em 5 de Junho de 1901. (68)
O jornalista que escreveu a notícia salienta “o seu (da fachada) aspecto original... os azulejos com relevo, as janelas árabes com varandas de argila vidrada...os arabescos ”; no interior, destaca exemplares que retratam a variedade de produtos das Devesas, desde estátuas e vasos ornamentais até materiais de construção; descreve o andar nobre: nele “Rasga-se um primoroso salão com amplas vitrinas, em estilo árabe. O tecto tem estuques dourados a entremear cores esbatidas, suaves, do mais harmonioso conjunto”.
Actualmente o tecto, embora mantenha o seu rendilhado, está lamentavelmente pintado de branco, perdendo-se assim o aspecto feérico que ostentaria no passado. Este era o salão das exposições, que na inauguração mostrava diversos objectos artísticos, sendo que “numa mesa estão obras de António Teixeira Lopes: bronzes magníficos, Cristos, imagens, Caim, bustos, medalhões. Devem dar boa compensação a (António) Teixeira Lopes. O átrio central...dando comunicação para a casa residência do sócio-gerente da empresa” (Feliciano da Rocha, que deixara de ser sócio em 1893, mantinha, aparentemente uma ligação à Almeida Costa & C.ª, provavelmente só na área dos mármores)
* Pormenores da fachada (fotografias de Tiago Cartageno)
* Sala de Exposições (catálogo de 1910)
* Pormenor do tecto (fotografia de Tiago Cartageno)
*Azulejos da Sala de Exposições ( fotografias de Tiago Cartageno)
Nos diversos azulejos figurativos que ornamentam o salão de exposições, bem como o exterior da entrada pela rua da Conceição, surge um estilo muito diferente do que Teixeira Lopes habitualmente apresentava: figuras definidas em traços pouco nítidos, mais sugestivos do que realistas, que poderão ser atribuídos a outros artistas que colaboravam com a Fábrica.
* Azulejo da Sala de Exposições e Casa de Almeida Costa (azulejo) (fotografias de Tiago Cartageno)
Já a fachada da Rua da Conceição é completamente diferente, subordinando-se a uma estética “Arte Nova”, bem visível nos belos painéis de azulejos azuis e brancos que ostenta.
* Azulejos da Fachada da Rua da Conceição (fotografias de Tiago Cartageno)
(65) Portaria n.º 960/2014
(66) Losa, António - “Influência andaluza na arquitectura portuguesa dos séculos XIX e XX in “Camões- Revista de Letras e Culturas Lusófonas” Relações luso-marroquinas, (2004) nº 17-18, pg. 190
(67) A Teixeira Lopes também é atribuído o projecto das obras realizadas na Igreja de Carlão (Alijó), em 1903, que incluíram a edificação duma torre sineira (tradição oral familiar)
(68) “O Comércio do Porto, nº 133, de 6 de Junho de 1901
17.18 / REPRESENTANTES E DEPÓSITOS NO BRASIL
A fábrica dispunha de uma rede de depósitos em Portugal e representantes no Brasil (Rio de Janeiro).
O escultor João Carlos da Fonseca (filho do mestre cerâmico João José da Fonseca já referido em 17.12) era o responsável pelo depósito de Lisboa. (69)
Na sequência do terramoto de Benavente, segundo o “Diário Illustrado” de 29 de Abril de 1909, este responsável ofereceu 200 tubos de grés e 20 sifões para as obras de reconstrução.
No Rio de Janeiro, as entidades que vendiam produtos das Devesas foram variando e recorriam com frequência a publicidade em jornais, salientando os respectivos depósitos e os itens de que dispunham, bem como quaisquer novidades que surgissem; por exemplo:
* “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro, de 15 de Abril de 1877
* “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro, de 27 de Outubro de 1878
Fonte: Hemeroteca Digital do Brasil
(69) Queirós, José - “Cerâmica Portuguesa e Outros Estudos”, Editorial Presença, 3ª edição, 1987, pg 123
17.19 / AUMENTO DE CAPITAL E ENTRADA DE NOVOS SÓCIOS
Em 1906, o capital da empresa é aumentado para 330 000$000 réis, com a entrada de novos sócios: Aníbal Mariani Pinto, Eduardo Rodrigues Nunes e Emília de Jesus Costa, mulher de A. Almeida Costa, conservando Teixeira Lopes a sua posição.
17.20 / A SAÍDA DE SÓCIO DE JOSÉ JOAQUIM TEIXEIRA LOPES
Em 23 de Abril de 1909, por sua vez, Teixeira Lopes cessa funções na Fábrica Cerâmica e de Fundição das Devesas, entrando novos sócios: Aníbal Mariani Pinto e Eduardo Rodrigues Nunes
Em escritura notarial Teixeira Lopes dá quitação, através do seu procurador Dr. António José de Oliveira Mourão, que recebe “a quantia de vinte e quatro contos de reis, com tal recebimento (Teixeira Lopes) fica satisfeito de tudo quanto tinha direito a exigir da mencionada sociedade. Era sócio há mais de quarenta anos sempre entre eles houve as melhores relações de amizade, consideração e estima, não representando a saída dele da sociedade a menor censura ao procedimento do primeiro outorgante (Almeida Costa) o qual sempre tratou os negócios sociais com todo o escrúpulo e boa fé”. (70)
Esta é a idílica versão oficial dos factos que ocorreram por altura da saída de Teixeira Lopes da Fábrica Cerâmica e de Fundição das Devesas. Os termos em que é lavrada a escritura denotam a intenção de criar uma imagem de concórdia e solidariedade sem falhas entre Almeida Costa e Teixeira Lopes, durante o longo período de tempo em que colaboraram estreitamente.
No entanto, a realidade factual é bem diferente: numa fase inicial, o relacionamento entre os dois sócios, que, como vimos, é bem anterior à fundação da Fábrica, foi de grande cumplicidade e complementaridade, aliando-se a forte vertente comercial de Almeida Costa à notável veia artística de Teixeira Lopes.
Mas cedo veio ao de cima o “financeirismo” de Almeida Costa, a sua procura do lucro a todo o custo e a sua avareza, características que colidiam com a personalidade de Teixeira Lopes, centrada no seu inesgotável labor artístico e razoável desprendimento das riquezas materiais. Tais diferenças foram até certo ponto benéficas para o sucesso da sociedade, mas geraram fricções entre ambos, ao longo dos tempos, que tiveram o seu auge precisamente no processo de saída da Fábrica por parte de Teixeira Lopes.
Da leitura de duas cartas escritas por António Teixeira Lopes a seus pais, existentes na Casa-Museu Teixeira Lopes, compreende-se que Teixeira Lopes experimentou grandes dificuldades na altura de fazer as contas finais com Almeida Costa, tendo seus filhos António e José assumido duras negociações, acompanhados pelo seu advogado Dr. António Mourão, não tendo Teixeira Lopes estado presente na celebração da escritura, o que é sintomático do seu mal-estar.
António Teixeira Lopes é claro: “Seria penoso, depois de 40 anos de trabalho sair só com o dinheiro que lá tinha. Mas graças aos esforços que fizemos e à enérgica atitude do António Mourão, a firma A. Almeida Costa & Cia. entrega-lhe (a Teixeira Lopes) amanhã a quantia de 24:000$000… isto foi para ele (Almeida Costa) o justo castigo de muitas e bastas culpas”. (71) (72)
Almeida Costa, cujo grande sucesso empresarial tanto devia a Teixeira Lopes, queria fazer tábua rasa desse facto, desvalorizando-o de tal forma que o recurso aos tribunais foi alvitrado como hipótese, o que não agradaria a Almeida Costa, que, assim, foi vergado e obrigado a ceder.
O resto da carta mostra como António Teixeira Lopes ficou feliz com a vitória alcançada; ele que sempre considerou Almeida Costa e o tratava por padrinho por ser a esposa deste sua madrinha, apesar de já anteriormente ter tido razões de queixa em relação a Almeida Costa, por algumas questiúnculas mesquinhas, continuou a guardar-lhe respeito, o qual agora desaparece por completo...
17.21 / A DECADÊNCIA DA FÁBRICA E A MORTE DE ANTÓNIO ALMEIDA DA COSTA
A saída de Teixeira Lopes teve consequências funestas para a empresa:
Teixeira Lopes era a alma artística e técnica da Fábrica e o seu constante labor criativo e a diversidade e qualidade que imprimiu à produção fabril, foram os factores que constituíram o grande trunfo da Fábrica e a diferenciavam da concorrência, e sem os quais a empresa nunca teria alcançado o renome e a importância que atingiu.
Com a saída de Teixeira Lopes, tudo se desvanece rapidamente, embora os seus modelos continuassem a ser reproduzidos.
A morte de Almeida Costa em 1915 foi o golpe final naquela que foi uma das principais fábricas cerâmicas da Península Ibérica e que entrou em rota de decadência irreversível.
Os restantes sócios continuaram a laboração da fábrica, mas não conseguiram uma renovação da cerâmica artística e rapidamente aquela unidade fabril foi orientada para o material destinado à construção civil.
(70) Romero Vila – “ A Fábrica do Costa das Devezas”, in Boletim dos Amigos de Gaia, de Maio de 1979 , pg. 7
(71) Cartas de Abril de 1909, escritas por António Teixeira Lopes a sua mãe e seu pai, respectivamente, pertencentes à Casa- Museu Teixeira Lopes
(72) Lopes, António Teixeira – “Ao Correr da Pena Memórias duma Vida”, pgs 5, segs.