CERAMISTA, ESCULTOR E FUNDADOR DA QUINTA VILA RACHEL
por António Teixeira Lopes da Cruz, Proprietário da Quinta Vila Rachel.
data da publicação: 1 de Março de 2023
* Desenho em que o Cristianismo convive com divindades greco-romanas (colecção e fotografia do autor)
Vários críticos, estudiosos da arte, seus professores, colegas escultores, discípulos, intelectuais de diversas áreas, todos tiveram ensejo de se pronunciarem sobre a diversificada obra de Teixeira Lopes, realçando as suas facetas positivas, mas não se coibindo de emitir comentários relativos a reais (ou supostas) imperfeições a corrigir nos seus trabalhos, ou mesmo atacando as suas qualidades artísticas, por convicção ou mera inveja.
Em geral, a esmagadora maioria dos que se dignaram deter-se sobre a sua obra em geral ou em áreas específicas, coincidem, sem favor, numa impressão positiva com que a obra de Teixeira Lopes (ou algumas obras em particular) os sensibilizou. Ao longo deste livro muitas dessas apreciações foram expostas.
A arte de Teixeira Lopes enquadra-se no período do Romantismo, com nuances: a sua formação inicial com Manuel da Fonseca Pinto, dadas as tarefas que tinha de executar nos estaleiros navais, convencionais e repetitivas, permitiu-lhe apenas desenvolver a sua aptidão para talhar figuras em madeira.
Só com os estudos na Academia de Belas-Artes do Porto teve contacto com arte mais exigente, apesar dos seus professores (João António Correia e Francisco José Resende) não serem escultores, mas sim pintores e desenhadores. Aprendeu a técnica do desenho e a importância da forma e da anatomia humana, num contexto mais avançado do que existia nos estaleiros, num academismo ainda reinante, mas onde já se entrevia uma abertura a maior liberdade estética.
Em França, com Jouffroy, os seus horizontes alargam-se decisivamente, tendo oportunidade de finalmente conhecer ao vivo obras-primas da escultura desde a Antiguidade greco-romana, passando pelos mestres do Renascimento italiano, até às obras mais recentes, filiadas num Romantismo ainda muito próximo do Neoclassicismo.
O período do Romantismo viu florescer no campo político um fervor nacionalista, que se traduziu no culto exacerbado de figuras que foram decisivas para a história nacional e que foram homenageadas em estátuas ou monumentos.
Teixeira Lopes foi o precursor na concretização deste movimento a nível nacional, tendo realizado várias estátuas para locais públicos, entre 1864 e 1883, que foram descritas em capítulos anteriores, e que tiveram grande impacto no imaginário da população menos letrada, que assim passava a poder conhecer a representação dos heróis e personalidades notáveis nacionais, que se distinguiram em prol da pátria.
Se não vejamos: Passos Manuel (1864) e D. Pedro V (1866) foram as duas primeiras estátuas públicas de homenagem inauguradas em Portugal no século XIX; Campeam (1874), D. Pedro V de Braga (1879) e Conde Ferreira (1883) foram mais tardias.
Teixeira Lopes concorreu ainda em 1862 à realização da estátua equestre de D. Pedro IV, tendo ficado em 2º lugar, perdendo para Calmels. Esta estátua foi inaugurada em 1866, oito meses depois da de D. Pedro V.
Por comparação, as primeiras estátuas inauguradas em Lisboa, no contexto do romantismo, foram Camões (1867) e D. Pedro IV (1870).
Teixeira Lopes tinha um inato talento artístico, mas sempre batalhou no sentido de aperfeiçoar a qualidade das suas obras; dentro da sua modéstia vivia um verdadeiro espírito de artista, que se entregava de alma e coração à concepção e realização das suas peças nas várias ramificações artísticas que trilhou: escultura e modelação (e pintura em vários casos) de bustos, estátuas, medalhões, baixos relevos e peças decorativas variadas; modelação e pintura de figurinhas e grupos representando os costumes populares, pintura de azulejos historiados. Serviu ainda de arquitecto, episodicamente.
Também desenhou à pena e esboçou a lápis estudos para modelação de estátuas, como se exemplifica, sendo que são peças raríssimas:
* Esboceto e Anjo indicador (cat.90) (colecção e fotografias do autor)
Trata-se dum esboceto básico para a estátua do «Anjo indicador», embora as asas bem visíveis de frente em toda a sua extensão ainda não sejam semelhantes às das estátuas de catálogo representativas dos anjos e dos meses do ano.
Embora Teixeira Lopes não se tenha afastado totalmente de algum academismo que o formou de início, bem como da prevalência da estatuária neoclássica de inspiração greco-romana na maioria dos modelos de estátuas que criou, também sofreu outras influências típicas do romantismo, ao utilizar inspiração neomourisca (sendo o Depósito da Rua de José Falcão a sua manifestação mais emblemática), neogótica (vasos cat. 298 e 299, 316, 317 e 318) e neorococó (caixilhos para retrato cat.442 e 443). A influência da Arte Nova é patente em painéis de azulejos.
Houve uma evolução na sua obra, com diminuição notória da rigidez, em que as figuras, embora mantendo o seu simbolismo, denotam dinâmica gestual realista, sendo um bom exemplo as várias Bailarinas (cat. 94, 95, 96 e 97) e várias figurinhas de costumes. Tudo aponta para um caminho pré-naturalista de que é exemplo acabado «O Baptismo de Cristo» (VER 15. O BAPTISMO DE CRISTO).
Trabalhou incansavelmente: modelou o gesso e o barro, esculpiu a madeira, a pedra (o mármore, em particular) e o marfim, dirigiu e retocou os bronzes que tiveram por base obras suas. Criou uma versatilidade imaginosa nas suas estátuas destinadas a replicação, algumas das quais eram intermutáveis apenas pela retirada ou acrescento de adereços.
O seu papel de Precursor da denominada «Escola de Escultura de Gaia» deve ser enfatizado pela sua relevância no devir artístico nacional (VER 36. A “ESCOLA DE ESCULTURA DE GAIA”).
O facto de ter atribuído prioridade ao trabalho oficinal na Fábrica, com o intuito de venda sistemática de múltiplos e assim gerar receitas fundamentais para aquela, poderia ter conduzido a uma lenta mas progressiva deterioração da qualidade do produto final. Teixeira Lopes nunca caiu nem deixou cair os colaboradores nesse erro grave. O seu pundonor artístico nunca lhe permitiria uma degradação estética, aliado à consciência de que o sucesso da Fábrica residia numa superação permanente da concorrência nesse domínio.
A sua obra atingiu assim uma volumosa dimensão, nos diversos ramos da escultura e na pintura azulejar, sem perda de qualidade.
Como já foi referido, participou em parceria com Almeida Costa em diversos concursos para criação de monumentos, alguns dos quais não se concretizaram.
Marcou importante presença em exposições nacionais e internacionais, a título individual ou através da Fábrica das Devesas, com sucesso, que lhe valeu vários prémios.
Foi um experimentador e inovador constante, tendo conseguido criar fórmulas de tintas e vidros, que tinham desaparecido um século antes, e introduziu o fabrico da telha de Marselha em Portugal, com superior qualidade.
Devotou-se ao Ensino na escola da Fábrica, permitindo um futuro melhor a modestos aprendizes, aprofundando os seus conhecimentos profissionais, beneficiando assim também a empresa.
Sem querer desvalorizar o importante papel que Almeida Costa teve no contexto fabril de que se tem vindo a tratar, convem realçar o seguinte:
Foi um notável canteiro-marmorista, tendo a sua oficina produzido alguns dos mais importantes jazigos e capelas dos cemitérios do Porto.
Era um ambicioso empreendedor que corria riscos candidatando-se como empreiteiro de obras que transcendiam as suas competências, associando-se a quem delas dispunham e que assim o completavam.
Tinha uma invulgar visão empresarial, que o levou a diversificar a sua actividade para sectores que poderiam ser complementares da oficina de mármores, investindo assim nas áreas da cerâmica industrial e da fundição de metais.
Dito isto, forçoso é constatar que a Fábrica das Devesas teve na sua Direcção (Feliciano da Rocha estava mais ligado aos mármores e cobranças) duas personalidades muito diferentes (mesmo antagónicas em alguns aspectos):
Enquanto Almeida Costa era a sua alma financeira e de estratégia de mercado, Teixeira Lopes constituía a sua alma artística e produtiva, tendo sido a pedra-chave que impulsionou decisivamente a qualidade da produção fabril da Fábrica e o seu domínio do mercado.
Almeida Costa, sozinho, tinha (e teve) estofo para lançar uma oficina de cantaria e uma fábrica de cerâmica dedicada à construção civil, mas não uma que tivesse uma marcada componente artística associada. Tal só foi possível, porque teve a lucidez de se associar ao artista talentoso e trabalhador que era Teixeira Lopes e compreendeu a mais-valia que este representava, como grande trunfo para o desenvolvimento e afirmação da pequena e modesta fabriqueta que marcou os tempos iniciais e heróicos da futura Fábrica Cerâmica e de Fundição das Devesas.