UMA VISÃO SOBRE A NOSSA ATITUDE PERANTE O NOSSO LUGAR
Quando projectamos a agricultura da nossa Quinta e o consequente processamento do que a terra nos dá, um dos principais valores que ditam o nosso caminho e estratégia, é o conceito de “genuinidade”. E o que entendemos nós por este conceito? Muito simplesmente projectamos tudo para expressar o que de mais característico existe na nossa Quinta e no lugar natural que esta ocupa. Para nós “genuinidade“ é mostrar através de um simples alimento que cresceu da terra, todas as características do lugar de onde ele provém. Expressar a terra do solo, expressar a quantidade de sol, chuva e vento que se faz sentir num determinado ano. Expressar as flores espontâneas que passam aromas essenciais através do ar. Expressar todo o trabalho que as comunidades animais e microbianas no solo produzem. Expressar os pássaros, os esquilos e os javalis que passam e que são essenciais para toda a cadeia alimentar deste lugar. Em suma, expressar “genuinidade” é expressar a pureza do lugar em que vivemos.
Por este motivo de força maior, adoptamos uma agricultura baseada em procedimentos agroecológicos que nutrem a terra da melhor forma possível, devolvendo-nos esta depois alimentos ricos e nutritivos. Decidimos por isso evitar a adopção de métodos de agricultura industrial, métodos estes que usam e abusam do solo como se fosse uma mina infinita ( que não é de todo), explorando os seus nutrientes até à exaustão, matando toda a vida microbiana do solo devido ao uso de agrotóxicos. Ao invés, adoptando práticas agroecológicas, regeneramos e nutrimos toda a fundação de onde provém o alimento, o solo.
“Genuinidade” para nós é por isso observar, respeitar e copiar a Natureza. É sentir as condições endafo-climáticas que temos e com elas trabalhar o melhor possível para proteger o nosso lugar. É também seguir tradições valiosas e abolir as que não respeitam o meio-ambiente. No caso específico das nossas vinhas, continuamos a plantar vinhas à moda antiga como manda a tradição local. Misturamos todas as castas, brancas com tintas, pois para além de ser um tradição, há um propósito agroecológico por trás deste método, e que é o enriquecimento de biodiversidade e consequentemente fortalecimento de todo o sistema contra pragas e doenças.
“Genuinidade” é também compreender como funciona a floresta nativa e tentar replicar os seus métodos mesmo em sistemas menos naturais como é o caso da vinha. É tentar transformar o mais possível a monocultura pré-estabelecida em policultura, pois é assim que a floresta virgem é feita. É usar todo o espaço livre que temos, incluindo a própria bordadura da vinha, para plantar árvores diversas. É fazer regressar ao nosso lugar árvores nativas que já estão dadas por perdidas na nossa região, como por exemplo o famoso Carvalho-português.
E não é só no entendimento da terra que o conceito de “genuinidade” deve ser tomado em conta. Devemos ir mais além e transportar este conceito para o local de processamento dos alimentos. No nosso caso específico para a Adega e para a Azenha. Na Adega há que trabalhar o vinho com os recursos que provêm do vinhedo. Ou seja, em vez de sulfitar as uvas para matar toda a vida microbiana, e depois inocular leveduras selecionadas para executar a fermentação, há que trabalhar com as estirpes de leveduras que vivem nos vinhedos e que fazem parte de todo este ecossistema presente na nossa Quinta. Estes micróbios são autóctones e responsáveis por passar sabores específicos ao vinho. Por isso que sentido faz executar uma fermentação com leveduras de laboratório que qualquer outro produtor de vinho, seja na Austrália, na Argentina ou até mesmo em França, pode usar? Obviamente que assim o nosso vinho deixará de ser genuíno e em vez de expressar o sabor e a biodiversidade de um lugar, começa a expressar o sabor e a monocultura de um laboratório.
O mesmo acontece com as variedades plantadas. Portugal tem a sorte de possuir por volta de 300 castas autóctones que não há maioritariamente em mais lugar nenhum do mundo. Há por isso que preservar este tesouro e trabalhá-lo de forma a mostrar o quanto é genuína a nossa matéria-prima. Que sentido faz então andarmos a plantar no Douro as mesmas 6 castas do costume ( touriga nacional, touriga franca, tinta roriz, sousão, gouveio, viosinho e rabigato ), e até mesmo algumas estrangeiras, quando poderíamos estar a plantar dezenas de outras diferentes, todas elas nativas do nosso território? É que este caminho da especialização monovarietal parcelar está a levar parte da genuinidade da nossa terra para a extinção. Os agricultores, que vão por modas na sua maioria, já não querem saber das castas antigas e por isso elas começam-se a extinguir.
O mesmo se passa com o azeite que produzimos. Ele é todo extra virgem, produzido a frio, feito da forma mais natural possível e com azeitonas provenientes de Oliveiras tricentenárias. Obviamente que a quantidade de produção vai ser mais pequena do que se fosse azeite proveniente de um olival em mono-cultura intensiva. Mas “genuinidade“ é isso mesmo, sentir depois o sabor de um produto que passou por todos os seus estados de processamento sem perder as características originais, em prol de uma estratégia que favoreça a qualidade em vez da quantidade.
Tudo isto expressa a genuinidade de um lugar e por consequência a de todos os produtos que daí saiem.
por
Tiago Cartageno
Proprietário da Quinta Vila Rachel