Um caminho enganador
A procura de beleza estética na agricultura pode ser um caminho perigoso. Ao longo dos anos tive a possibilidade de visitar diversas Quintas e conhecer Agricultores do mundo inteiro. Nessas visitas, quando converso com as pessoas tento sempre aprender algo de novo com elas. Em muitas situações efectivamente aprendo, noutras parece-me que é mais ao contrário. No entanto há um padrão de pensamento que tenho reparado que é sempre mais ou menos permanente. Os agricultores tendem geralmente a praticar agricultura sob um molde estético, ou seja, muitas das suas decisões são definidas através de uma projecção de um qualquer ideal de beleza. Se a erva está muito alta há que cortar porque senão fica feio. Se a rama da videira está grande há que a cortar toda senão fica desorganizada e por isso fica feio. Se há material vegetativo no chão a cobrir o solo, há que o retirar do pé das árvores senão o vizinho começa a dizer que fica feio. Este conceito do “fica feio” é infelizmente a ideia mais comum no mundo rural. Há sempre esta inclinação a tratar os campos de cultivo como se fossem os Jardins de Versailles. Nada mais errado.
No caso específico da minha zona, a região do Douro, essa ideia ainda está mais vincada. O Douro Vinhateiro, sendo Património Mundial da UNESCO, colocou-se na posição petulante do “tenho que andar sempre bonito porque me estão a ver”, então todos aqueles patamares e socalcos que se vêem ao longo das colina durienses precisam de brilhar ao longe para mostrar esta terra tão excelsa. E do ponto de vista estético, como fazer para mostrar estas linhas geométricas ondulantes tão aprazíveis ao olhar? Eliminar toda a cobertura de solo através da lavra e de herbicidas. Desta forma a terra fica completamente nua, e nos vinhedos apenas se vêem as paredes verdes dos bardos da vinha e terra. Apenas e só terra. Se começa a crescer mais um pouco de erva, o agricultor pensa logo que fica feio, então volta a deitar mais herbicida.
A região do Douro é das regiões do País onde mais se aplica herbicida nos campos agrícolas e isso é um problema muito grave. Essa ideia de que “fica bonito” infelizmente por trás apodrece. É como aquelas maçãs bonitas e envernizadas que compramos no hipermercado e que por dentro estão podres. O solo no Douro está a ir por esse caminho. As vinhas no Douro precisam de cobertura vegetal para tornar todo o sistema agrícola saudável e resistente. Se os socalcos não têm qualquer cobertura vegetal, obviamente que vão começar a cair com a erosão das chuvas e dos ventos, pois a cobertura vegetal cria alicerces para agregar todas as massas do solo, de forma a ficarem coesas. No Douro mais do que nenhum outro lugar, deveria haver esta prática de preservação. O problema é que infelizmente não fica bonito...
E que dizer das ervas que crescem junto aos Olivais e Amendoais? Não fica bonito... nem sequer cortar a erva com recurso a alfaias e roçadoras fica bonito. Há que anular por completo o crescimento de ervas de modo a ficarmos com o solo completamente nu. Novamente nada mais errado. Com isso estamos a extinguir a biodiversidade proporcionada pelo crescimento da vegetação espontânea, vegetação esta que vai proporcionar o aparecimento de todo um microbioma no solo responsável pelo equilíbrio nutricional das nossas culturas.
Usar a questão estética como uma ferramenta de pensamento é sem dúvida importante porque nos ajuda a organizar possíveis decisões sobre determinado assunto, no entanto temos de ter a inteligência de perceber quando as decisões motivadas por ideias estéticas se tornam perigosas, colocando em causa toda a integridade de um lugar. E neste caso específico da agricultura, actividade tão importante para o Ser Humano e que afecta directamente a saúde de todo o planeta, há que dar obviamente primeiro prioridade à ciência, para só depois pensarmos na questão estética.
Na Quinta Vila Rachel, tentamos sempre criar um equilíbrio entre o “fica feio/bonito” e a questão funcional. Saber como os solos funcionam deveria ser a prioridade geral e por isso optamos por todo um tipo de práticas agroecológicas que favorecem os solos acima de tudo. À primeira vista as pessoas podem pensar que somos perguiçosos por deixar a erva espontânea crescer tanto, mas tudo isso tem um fundamento bem científico. Ao deixarmos a canópia da vinha crescer demasiado e optarmos pela prática da “enrola” em vez da “desponta” tem também um efeito prático na fisiologia e na qualidade dos bagos que se estão a desenvolver. É certo que toda a parede do bardo não irá ficar com a mesma altura vegetativa e toda certinha como se fosse um muro verde, no entanto há uma questão prática e científica para termos tomado essa decisão. Também ao cobrirmos o solo à volta das nossas árvores com biomassa triturada e outros restos de material vegetativo, as pessoas também dirão que não irá ficar tão bonito como se tivesse a terra nua completamente à vista. No entanto, e mais uma vez, há uma base científica para isso ser assim.
por
Tiago Cartageno
Proprietário da Quinta Vila Rachel