Práticas agrícolas na Quinta Vila Rachel
Na Quinta Vila Rachel tentamos “controladamente” produzir uvas o mais selvagem possível. Temos perfeita noção que a videira no seu ambiente selvagem não cresce em bardos alinhados uns com os outros como são projectados os vinhedos convencionais. A videira é antes uma liana trepadeira que usa outras árvores para escalar e enrolar-se. Ora sendo esse um método pouco prático para a produção de uvas, começou-se a desenvolver sistemas de plantação em bardo. Tendo em consideração este facto, fazemos ainda assim questão que as nossas uvas sejam criadas num ambiente o mais próximo possível da videira selvagem. Por isso a primeira regra que temos é deixar crescer a vegetação espontânea o mais livre possível. Este crescimento livre de vegetação irá proporcionar uma ambiente rico em biodiversidade, atraíndo para todo o eco-sistema um conjunto enorme de animais e micróbios, responsáveis por estabelecer uma cadeia alimentar forte e complexa, que por sua vez irá beneficiar e enriquecer o solo para produzir uvas o mais qualitativas possível. (1) (2) A segunda regra que temos é nunca lavrar a terra pois isso será o equivalente a destabilizar e destruir toda a comunidade microbiana que levou anos a estabelecer-se no solo. (3)
O único controlo de vegetação que fazemos é junto ao pé de videiras recém plantadas, pois estas na sua fase de vida inicial não devem ter competição para se afirmarem mais rapidamente. E para além disso controlamos a vegetação na entre-linha apenas no final da Primavera / início de Verão apenas quando começamos a preparar o terreno para a colheita das uvas, pois torna-se mais prático para os trabalhadores circularem no meio sem vegetação. Durante toda a Primavera a vegetação espontânea irá fazer um trabalho importantíssimo de modelação dos bagos de uva, e durante todo o resto do ano irá ajudar a proteger e sustentar o solo onde as videiras vivem.
Quando projectamos uvas para a produção de vinho pensamos em cachos de uvas com bagos pequenos e concentrados. São estes bagos que irão conter os melhores compostos fenólicos responsáveis pelos aromas e sabores do vinhos. (4)Obviamente estamos a falar de cachos que tenham tido uma óptima exposição solar, pois um cacho que tenha sido desenvolvido à sombra também irá ter bagos pequenos devido à falta de luz solar, mas também não terá na sua constiuição a quantidade ideal de compostos fenólicos. (5) Daí castas como por exemplo a Touriga Nacional serem amplamente conhecidas pois já por si geneticamente formam bagos concentrados. Por isso a famosa expressão “ o bom vinho faz-se na vinha e não na adega”. Ao deixarmos crescer erva junto às videiras adultas estamos a criar um ambiente de competição por nutrientes. Irá ser por isso nesta luta por nutrientes que a videira se adaptará para criar menos quantidade de cachos de uvas, mas ao mesmo tempo bagos com melhor qualidade. É preciso ver que quando se produz uvas para vinho, a quantidade será sempre inimiga da qualidade. É impossível termos as duas. Aqui na Quinta Vila Rachel damos primeiro prioridade à qualidade sobre a quantidade, por isso encaminhamos todo o trabalho na vinha de forma a atingir os melhores níveis da mesma.
Se ao invés disto começarmos a aniquilar toda a erva que compete com as videiras com herbicidas e até mesmo de forma manual, a videira começa a ter a tarefa de desenvolvimento completamente facilitada por falta de competição, produzindo assim bagos maiores e com menos interesse fenólico. É natural que assim seja, pois a planta começa a ter um desenvolvimento mais preguiçoso. (6)
Deixar crescer a vegetação espontânea traz vários benefícios para a vinha:
Voltando à questão da biodiversidade, e tendo em conta que queremos tornar os nossos vinhedos o mais selvagens possível, fazemos questão de preencher toda a bordadura com árvores de várias espécies, tais como Oliveiras, Amendoeiras, Macieiras, Pereiras, Medronheiros, entre outras. Para além disso, evitamos ao máximo a produção em monocultura, ou seja em vez de termos parcelas com a mesma casta, plantamos as nossas vinhas à moda antiga em que as castas são todas misturadas, mesmo brancas com tintas. Esta é uma forma de proteger as variedades genéticas antigas que estão a cair em extinção.
Hoje em dia a indústria vitícola começou a produzir clones de apenas algumas variedades, ou seja, escolheram um grupo de videiras de algumas variedades mais conhecidas e começaram a multiplicar por clone essa mesma variedade genética. Qual é o problema disto? As videiras plantadas actualmente são todas iguais geneticamente. Para além disso, sendo Portugal um país com um património genético de videiras enorme, a produção de clones acaba por ser um autêntico tiro nos pés à biodiversidade que nos distingue de outros países, correndo o risco de entrarmos numa uniformização grave de todo o nosso património vitivinícola.
Esta uniformidade genética traz outros tipos de problemas. Há variedades de videiras mais propícias a ataques de pragas que outras. Em caso de ataque de alguma praga que tenha tido especial interesse pela genética de determinado clone, a praga tem caminho aberto para dizimar tudo à passagem, visto que a constituição genética de determinada parcela é toda igual.
Por isso fazemos questão de não plantar videiras novas clonizadas e, ao invés, ir buscar semente às videiras velhas para plantar novas. Com esta prática, para além de estarmos a salvar o património genético varietal duriense, estamos também a produzir vinhos com personalidade distinta da maioria que planta o mesmo clone por todo o seu vinhedo.
Outra condição muito importante nas nossas vinhas é a ausência de irrigação. Pelas mesmas razões enumeradas atrás, irrigar a vinha não é um método natural. Primeiro que tudo se queremos expressar o selvagem que há na nossa vinha temos que usar apenas o que a Natureza nos dá também de forma selvagem. Essa é a demonstração máxima da expressão de um lugar. Mostrar às pessoas um vinho feito com uvas moldadas por um determinado ano que teve uma quantidade específica de sol, de vento e de chuva. Cientificamente falando também está estudado que menos irrigação proporciona vinhos mais frutados e com menos aromas vegetais. (4)
É importante também referir que na linha das videiras vamos cobrindo gradualmente com uma cobertura de biomassa ou “mulching” que irá proteger e fertilizar o solo através da sua decomposição.
Outra das grandes questões relacionadas com a manutenção da vinha tem a ver com duas doenças, Míldio e Oídio, causadas por fungos. Mesmo em Agricultura em Modo de Produção Biológico, é legal usar produtos à base de cobre e enxofre para prevenir o aparecimento destas doenças. O problema é que estes dois produtos para além de se acumularem no solo, atacam todas as populações microbianas, boas ou más, incluindo as leveduras nativas que irão depois mais tarde fermentar as uvas na Adega para produzir o vinho. É por isso da nossa intenção cada vez mais reduzir a quantidade destes produtos fito-sanitários, podendo mesmo nem sequer usá-los dependendo do tipo de ano climático. (7)
por
Tiago Cartageno
Proprietário da Quinta Vila Rachel
(1) https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0308521X19301933
(2) https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5420814/
(3) https://books.google.com.ar/books?id=wrBpDQAAQBAJ&pg=PA12&lpg=PA12&dq=research+spontaneous+vegetation+vineyard&source=bl&ots=Kn_jH8fDRl&sig=ACfU3U0IY_PhJFRHDBvCQoLMXDbMOVfApA&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwjSs-b2oIjnAhU9ILkGHbdPC0gQ6AEwEXoECAoQAQ#v=onepage&q=research spontaneous vegetation vineyard&f=false
(4) https://pdfs.semanticscholar.org/43be/86cf3302a3f5eb3443055877bdfc7d9a521b.pdf