CERAMISTA, ESCULTOR E FUNDADOR DA QUINTA VILA RACHEL
por António Teixeira Lopes da Cruz, Proprietário da Quinta Vila Rachel.
data da publicação: 1 de Março de 2023
NOTA: Este Capítulo foi baseado e adaptado duma comunicação apresentada pelo autor no 1º Colóquio “Saudade Perpétua” (2016) publicada nas Actas do mesmo. https://saudadeperpetua.weebly.com/actas1.html (Cepese 2017)
* Ceifeira
* Mulher do Fogareiro
colecção e fotografias da Sociedade de Geografia de Lisboa
Teixeira Lopes dedicou-se desde o início da sua carreira de artista (1859) a modelar de forma sistemática figurinhas em barro, de monocozedura, normalmente com olhos de vidro, representando costumes populares e pintadas “a carácter”, que constituíram uma pequena, mas significativa área dentre as diversas que a sua multifacetada produção artística abrangeu. (1)
A proliferação de figurinhas e grupos atingiu a dimensão das dezenas e, apostando numa qualidade esculturo/pictórica elevada, conseguiu defrontar e vencer a vasta concorrência que invadia um mercado sôfrego de figuras, mas com limitadas apetências artísticas.
A sua altura (sem contar com a base) variava entre 28/33cm e 70cm, para as peças maiores.(2)
Igualmente, criou grupos de figuras, sendo o “Carro de bois” e a “Matança do porco” os mais importantes, tendo figurado na Exposição Cerâmica do Porto de 1882, entre outras. Estas figuras são hoje escassas, verdadeiras peças de colecção, raramente surgindo em leilões ou antiquários.
Foram-se assim acumulando Lavradeiras e Lavradores, Varinas e Varinos, Ceifeiras, Leiteiras, Vendedeiras de galinhas, Dançarinos e Tocadores de viola ou gaita de foles, figuras que existiram na realidade (“Urbano”), figuras jocosas (“Frade glutão”, “Matança do porco”), ou representativas de dramas sociais (“Casal de bêbados”, “Grupo de mendigos”), ou em trajes domingueiros, etc.
A sua fonte de inspiração principal foi a sua própria observação dos costumes, trajes, profissões, personagens típicas, humorísticas ou que desenvolvem actividades lúdicas, de várias regiões do país.
Teixeira Lopes tinha a preocupação do realismo e fidelidade nos trajes, adereços, instrumentos, poses e expressões faciais, em todas as suas peças, que eram tratadas como pequenas obras de arte, não perdendo qualidade apesar da sua profusão, mesmo nos múltiplos destinados à venda, que não desmerecem dos originais.
Estas largas dezenas de estatuetas constituem um notável retrato da sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX, de grande valor etnográfico e etnológico, focando essencialmente as camadas mais populares.
Numa primeira fase, as figuras concebidas por Teixeira Lopes eram vendidas a capelistas e em feiras no Porto e arredores por Raquel, sua mulher.(1)
A sua presença posterior em Exposições Nacionais e Internacionais, incluídas na representação da Fábrica de Cerâmica das Devesas, proporcionou-lhes uma grande visibilidade e alargou a respectiva clientela.
Os preços constantes do Catálogo da Fábrica de Cerâmica das Devesas de 1910, variavam de 500 (peças pequenas) a 3000 réis (peças de 70cm), em fosco, e de 900 a 5000 réis, em vidrado; os grupos “Carro de bois” e “Matança do porco” eram vendidos a 4500 réis, em fosco, e a 6500 réis, em vidrado. (2)
23.1/ MARCAS, ASSINATURAS E DATAÇÃO
As figuras por vezes eram marcadas, na base ou por baixo dela:
“FA DAS DEVEZAS A. ALMEIDA COSTA & Cª ”, “F. DAS DEVEZAS PORTO”, ou assinadas “Teixeirª Lopes (pai) ou (pae)”, “T. L. (pae)”, ou assinadas e marcadas simultaneamente “T. Lopes Pai” e “F. DAS DEVEZAS PORTO”. Por vezes era inciso “Pto”num círculo (referência ao Porto)
Mas, como a maioria das peças que se conhecem não apresenta qualquer marca, assinatura ou data, torna-se difícil situá-las no tempo..
As peças não marcadas poderão ser as mais antigas, que, ao serem multiplicadas num contexto empresarial mais exigente, passariam a ostentar o nome/firma da fábrica e a rubrica/assinatura do seu autor.
Em 1873, foram fotografadas várias figuras: “Varino(s)” e “Varina(s)”, “Minhoto”, “Minhota(s), “Gallego(s)”, “Gallega(s)”, “Lavradore(s)”, “Lavradeira(s)”, “Saloio”, “Saloia”, “Salteador”, “Grupo de Mendigos”. (VER 19.5 DEPÓSITO DE FOTOGRAFIAS DE ESTÁTUAS).
Os exemplares de estatuetas em que a assinatura ou rubrica de Teixeira Lopes é acompanhada da menção “pae” ou “pai” são posteriores a 1890, mesmo que os originais sejam muito anteriores. (VER 17.2 TEIXEIRA & C.ª-- JOSÉ QUEIRÓS)
Outras datas de peças são referidas abaixo com as respectivas fotografias.
23.2/ EXEMPLOS DE FIGURAS
Nem todas as figuras a seguir apresentadas têm correspondência no referido Catálogo, que compreende 50 peças. Sabe-se que muitas outras foram criadas, tendo a respectiva produção sido descontinuada, sendo a usura dos seus moldes a principal razão.
* Ceifeira
* Mulher do Fogareiro
colecção e fotografias da Sociedade de Geografia de Lisboa
* Varina
* Lavrador
colecção e fotografias da Sociedade de Geografia de Lisboa
* Grupo de mendigos, Colecção de familiar do autor, Fotografia de Rita Cartageno Cruz
Teixeira Lopes não se confinou ao espaço nacional, tendo tratado figuras de espanhóis, em particular galegos, que, à época, trabalhavam em Portugal em grande número.
Os gaiteiros de foles são um interessante exemplo:
* Galego, Colecção do autor ,Fotografias de Tiago Cartageno Cruz
23.3/ PRESÉPIO DE OVAR
Teixeira Lopes criou um grande presépio, que pode ser admirado na Igreja Matriz de Ovar, encomenda de Ferreira Menéres, que o ofertou.(3) (4) (5) (6)
O presépio denota características barrocas (em particular a maquineta), desfasadas no tempo, que indiciam que Teixeira Lopes se inspirou directamente nas grandes obras congéneres do século anterior.
* As três imagens foram retiradas de (6)
23.4/ APRECIAÇÕES CRÍTICAS
O escultor José Maria de Sá Lemos, (1892-1971) neto de Teixeira Lopes, escreveu um pequeno, mas significativo artigo eivado de ternura e admiração, que constitui um testemunho essencial de alguém que privou com este e presenciou o seu labor. (7)
A ele se dirigindo, escreveu: “ Tu, que conhecias até ao ámago os teus modêlos, reproduzia-los conversando com eles, mesmo ausentes, por que os tinhas dentro de ti, no coração: olha aquele “Aguadeiro”, Tanagra popular da saudosa R. do Laranjal, o que te levava a água todos os dias e contigo conversava, aquele que tu curaste de uma grande gripe com uma aplicação de ortigas”.
Alcunhou de Tanagras as figuras do avô que, à semelhança das gregas antigas assim designadas, eram de barro cozido e, em geral, de reduzidas dimensões e de propósitos naturalistas.
Sá Lemos destaca também o “Urbano”, “figura típica que foi (de Vila Nova de Gaia) e que eu bem conheci e me lembro de ver a caminho do matadoiro, em Stº Ovídio, prestando a sua ajuda fraca mas necessária à sua manutenção. Sempre descalço, o primeiro homem que deixou de usar chapéu”.
* Aguardeiro e Urbano , Colecção de familiar do autor , Fotografias de Tiago Cartageno Cruz
“O Par de Romeiros que em plena romaria estão, ele de caneca do rascante na dextra parece convidar a consorte a partilhar da libação. Tenho a impressão de sentir o odor na pituitária daquele sumo que escorre da vasilha;”
* Grupo de Bêbados, Postal Colecção do extinto Museu Etnológico Dr. Leite de Vasconcelos – Porto
O escultor e crítico de arte Diogo de Macedo, discípulo de António Teixeira Lopes, descreve José Joaquim Teixeira Lopes e a sua produção barrista nestes termos: “...deixou-nos uma formosa colecção de figuras regionais, modeladas em barro e coloridas a capricho, hoje raras e arquivadas em galerias de amadores...” (8)
O arquitecto Ventura Terra considerava Teixeira Lopes como “o mais notável barrista depois de Machado de Castro”.’’ (9)
O escultor Soares dos Reis delirava com o rapaz que leva os bois à soga; dizia: “isto é duma dificuldade atroz, fazer este dorso todo inclinado e sem ser forçado!” (9)
O pintor e crítico Joaquim Lopes, também relaciona Teixeira Lopes com os barristas do século XVIII e refere: “Esses curiosíssimos barros de Teixeira Lopes, pai, cuidadosamente e com certo rigor coloridos, já hoje constituem apreciáveis raridades para os nossos coleccionadores de arte”…”Quão longe estamos desse tempo de puros sentimentos artísticos e honestas realizações! Infelizmente não existe comparação possível entre as pequenas figurinhas de costumes populares, que Teixeira Lopes, pai, inteligente e carinhosamente modelou e o que hoje para aí se exibe nos escaparates dos louceiros e bazares mais ou menos pretensiosos….” (10)
O escritor Júlio Brandão refere-se às figuras de Teixeira Lopes nos seguintes termos: “...o barrista modela tipos de costumes regionais, na realidade encantadores de sentimento, de movimento, de leveza, ...em que logo sentimos a destreza e o gosto dum artista excepcional” (11)
O etnólogo, arqueólogo e tenaz defensor do ensino técnico profissional Joaquim de Vasconcelos, a propósito da Exposição de Cerâmica..., afirma: “...O primeiro (Costa, das Devezas) oferece verdadeiros primores, como o typo da mulher de Vianna do Castello, e o grupo do carro de bois nacional...” (12)
23.5/ EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DE VIENA 1873
Teixeira Lopes criou figuras expressamente para esta exposição, sendo a mais importante a estatueta “O Mendigo” (1873) (13) que também se destacou na Exposição de Filadélfia de 1876. (VER 26. EXPOSIÇÕES)
* Mendigo, Colecção do autor, Fotografias de Rita Cartageno Cruz, Marcas do “Mendigo”: “A.A Costa & Cª Devezas V N Gaya” e “Pto”
* Matança do porco, Colecção do autor, Fotografia de Tiago Cartageno
Importante grupo, pleno de movimento e veracidade, que retrata um dos acontecimentos populares tradicionais mais importantes, aqui tratado de forma humorística: preparando a matança, os dois homens esforçam-se para imobilizar o mais possível o animal; a mulher tratou de “cavalgá-lo”, para ajudar, sendo sacudida pelo porco, que a atira de costas para o chão, ficando com uma das pernas no ar.
* Carro de bois (1877) , Colecção de familiar do autor , Fotografia de Tiago Cartageno Cruz
Talvez a mais emblemática produção de Teixeira Lopes no domínio das figuras de costumes: o difícil transporte duma pipa num carro de bois, com um homem à frente a tanger os animais e outro atrás a ajudar na condução e estabilização da pipa, é surpreendente na riqueza de pormenores e na perfeita distribuição, escala e aderência à realidade das várias peças do grupo. Uma notável obra-prima de miniaturização!
23.6/ COLECÇÕES
São conhecidas as colecções da Sociedade de Geografia de Lisboa, considerada a maior do género, da Casa-Museu Teixeira Lopes de Vila Nova de Gaia, da Casa-Museu Fernando de Castro do Porto, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e a do extinto Museu Etnológico Dr. Leite de Vasconcelos – Porto, as duas últimas actualmente depositadas no Museu de Olaria de Barcelos.
23.7/ COLABORADORES
Os filhos de Teixeira Lopes, António e José, na sua juventude, aprenderam com o pai as técnicas de fabrico das figurinhas e passaram a ajudá-lo nesse trabalho, a partir de finais da década de 70, o primeiro, e de meados da de 80, o segundo. António, aos doze anos, fazia olhos de vidro na perfeição, em quantidade que lhe permitiu vendê-los para todos os santeiros do Porto e mesmo para o Brasil.
Existe uma referência a um “escultor Santos”, que seria colaborador de Teixeira Lopes e que, com este “foram os criadores de uma extensa multidão de figuras de barro, documentação etnográfica...” (14)
(1) Mourão, Ramiro - “Exposition de travaux de Teixeira Lopes (père), sculpteur et céramiste”, 1933, pgs. 9, 18, 19 e 20 (adaptação em francês, manuscrita
(2 )Catálogo da Fábrica de Cerâmica das Devesas de 1910
(3) Bastos, Manuel Pires in “Os Ferreira Menéres de Ovar”, artigo publicado no jornal “João Semana” de 1/10/2009
(4) Vechina, Sofia – “A Igreja Matriz de Ovar nos séculos XVII-XIX: obras e artistas, pg 534, 2010 in http://www.cepesepublicacoes.pt/portal/pt/obras/a-encomenda.-o-artista.-a-obra/a-igreja-matriz-de-ovar-nos-seculos-xvii-xix-obras-e-artistas , página consultada em 16-06-2015)
(5) http://artigosjornaljoaosemana.blogspot.pt/2009/02/familia-ferreira-meneres-de-ovar-texto.html. (página consultada em 16-06-2015)
(6) http://paroquiaovar.blogspot.pt/2013/12/presepio-da-igreja-matriz-de-ovar.html (página consultada em 16-06-2015)
(7) Sá Lemos, José Maria de – “O Avô, alma de artista – Teixeira Lopes (Pai)” in Boletim Cultural de Gaia, nº 2, Novembro de 1966, pgs. 29, 30 e 31
(8) Macedo, Diogo de - “Gaia a de nome e renome”, Lisboa, 1938, pg. 42
(9) Lopes, José Marcel Teixeira – “Teixeira Lopes íntimo e a bela época de 1900”, dactilografado, s/ data, pg. 40
10) “Revista de Guimarães”, nº 59, 1949, pgs 149,158
(11) “Atlântida” nº 16, de 15 de Fevereiro de 1917, pg. 248
(12)Vasconcellos, Joaquim – “Ceramica Portugueza” Serie II, Porto, 1884, pg. 100
(13) O Commercio do Porto”, nº 30 de 5 de Fevereiro de 1873, pgs. 1 e 2
(14) “Panorama: revista portuguesa de arte e turismo”- vol. 3, 1956