CERAMISTA, ESCULTOR E FUNDADOR DA QUINTA VILA RACHEL
por António Teixeira Lopes da Cruz, Proprietário da Quinta Vila Rachel.
data da publicação: 1 de Março de 2023
* Retrato a óleo de Teixeira Lopes por José de Brito ( pertencente à Casa-Museu Teixeira Lopes)
Na Fábrica Cerâmica das Devesas, funcionou desde 1881 uma Escola Nocturna de Desenho, criada e dirigida por José Joaquim Teixeira Lopes (1), que não esquecera as dificuldades com que se debateu no início da vida profissional, e que foi frequentada por dezenas de operários seus e de outras fábricas congéneres de Gaia e Porto, com a finalidade de lhes transmitir conhecimentos aprofundados de desenho, pintura e modelagem, podendo propiciar-lhes um enriquecimento profissional significativo, que lhes permitisse evoluir na carreira.
Esta inovadora e feliz iniciativa cívica, que “denota uma visão de tão largo alcance educativo bastaria para perpetuar a memória de Teixeira Lopes como cidadão e artista”. (2)
As aulas, que tinham lugar em instalações da Fábrica sitas na Rua Barão do Corvo, foram muito frequentadas e ali começaram os seus primeiros estudos numerosos artistas, entre os quais figuram Joaquim Gonçalves da Silva, que mais tarde se distinguiu pelos seus trabalhos decorativos, e Paulino Gonçalves, pintor cerâmico que atingiu notoriedade e deixou obra, entre muitos outros. (1)
Não é demais salientar o carácter precursor desta Escola, fruto da visão de industriais que compreenderam a necessidade de dotar os seus trabalhadores de conhecimentos teóricos e práticos que poderiam alterar para melhor as suas aptidões pessoais e laborais, ao mesmo tempo que as empresas aumentariam a produtividade e a qualidade dos seus produtos. Numa época em que o ensino público nesta área era inexistente ao nível dos operários e encarregados e a aprendizagem era apenas conseguida na prática fabril diária, é o sector privado que assume essas funções, que só mais tardiamente passarão para a alçada do Estado.
Nos anos 80 do século XIX, foi criada a Sociedade de Instrução do Porto por um grupo de notáveis e intelectuais, em que pontificava o Professor Joaquim de Vasconcelos, que dirigia a revista que esta Sociedade publicava periodicamente, tendo a mesma promovido as artes através de iniciativas diversas.
Entre elas destaca-se a Exposição de Cerâmica de 1882, no Porto, que reavivou o interesse por este ramo artístico estagnado tecnologicamente e onde não reinava grande perfeição. Cientes destas deficiências, José Joaquim Teixeira Lopes, António Almeida da Costa e Tomás Nunes da Cunha, entre outros industriais, já tinham feito viagens pela Europa para se actualizarem sobre novos equipamentos e processos de produção.
Havia também graves lacunas ao nível das competências profissionais dos artistas e técnicos de várias fábricas, que alertadas para esta situação, decidiram unir esforços no sentido de os dotar de maiores qualificações, embora nem todas participassem. Para fazer face a estes constrangimentos, foi criada uma Escola de Desenho e Modelação para Oleiros, na Fábrica Cerâmica das Devesas, onde já funcionara a Escola Nocturna de Desenho, acima referida.
Para garantia de continuidade, foi criada uma comissão composta por representantes das fábricas aderentes, que suportaria todas as despesas da nova instituição. A inauguração, presidida por Joaquim de Vasconcelos, realizou-se no Domingo, 4 de Fevereiro de 1883. (1)
“A assistência foi muito numerosa e foi convidada a assinar a acta inaugural em livro especial. O vasto salão encontrava-se sobriamente decorado. À entrada, estava um busto de Camões, a figura nacional, superior a todas as crises; à esquerda, a estátua do Conde de Ferreira, um benemérito da instrução e da saúde, predominante na acção benfazeja duma fortuna que parecia inesgotável. Cerâmica e desenhos decoravam as paredes da vasta ala industrial, bem como as mesas destinadas ao trabalho dos alunos. A escola tinha lotação para cem aprendizes, encontrando-se inscritos sessenta aquando da inauguração.” (1)
José Joaquim Teixeira Lopes, que se tinha oferecido para leccionar gratuitamente, foi alvo de rasgados elogios. De referir que as esculturas representando Camões e o Conde Ferreira eram da sua autoria. Ficou decidido que, semestralmente, se realizaria uma exposição de trabalhos dos alunos, com prémios para os melhores.
“Joaquim de Vasconcelos criticou o desleixo dos governos, apontando-os como principais culpados pela crise da indústria em geral. Focalizou a importância da intervenção da iniciativa particular, neste campo de actividade. Assistiu o inspector regional competente, António Simões Lopes, que usou da palavra para dissertar sobre as vantagens das escolas profissionais. Tratava-se de escola preparada para esta actividade específica”. (1)
A Sociedade de Instrução do Porto manteve o acompanhamento do funcionamento da escola, de tal modo que, em Junho de 1883, foi visitada por um grupo de sócios daquela organização com o objectivo de “saudar os fundadores da escola, applaudir o professor, louvar os discipulos e annunciar que o Club de Villa Nova de Gaya deliberára crear um premio de 15$000 reis para a Sociedade de Instrucção conferir ao alumno mais distincto da escola”. (4)
O trabalho de Teixeira Lopes, contando com o apoio e empenho da Fábrica Cerâmica das Devesas, deu os seus frutos: a Escola conseguiu em três anos que os seus alunos desenvolvessem de forma acentuada as suas capacidades técnicas. O impacto nas respectivas fábricas cerâmicas foi assinalável. Teixeira Lopes passou a leccionar também Geometria Plana, valorizando assim mais as suas aulas, para benefício dos seus alunos. (3) (5)
Em 15 de Fevereiro de 1884, na sessão ordinária do Conselho Científico da Sociedade de Instrucção do Porto foi apresentada uma petição assinada por Arthur Ferreira de Macedo, José Joaquim Teixeira Lopes, Marciano Azuaga, Abade Sant’Anna e Silva, António Bernardo Soares e António Almeida da Costa, apelando a que a Sociedade solicitasse ao Governo a concessão a Gaia duma das três escolas de desenho industrial que tinham sido criadas no Porto por decreto de 3 de Janeiro do mesmo ano. A proposta foi considerada muito pertinente, aprovada e concretizada. (6)
“Em Maio de 1884, a imprensa voltou a lembrar a escola do Prof. Teixeira Lopes, nas Devesas. Os prelos gemeram dando à luz da publicidade alunos cujo professor indicou como os mais adiantados. Naquela época, um nome que viesse no jornal diário adquiria um significado parecido com uma condecoração. Tratava-se de estudantes de famílias modestas: Joaquim Gonçalves da Silva, António Pinto da Silva, José de Oliveira Quito, Joaquim Francisco Ruivo, Augusto Ferreira Valente, Artur Gonçalves e Paulino Gonçalves “. (1) Alguns destes alunos viriam a frequentar a Academia de Belas-Artes do Porto.
Nessa ano, a Fábrica das Devesas disponibilizou as instalações onde até então tinha funcionado a Escola de Desenho e Modelação para Oleiros, bem como o respectivo material, para a futura Escola Industrial cuja criação tinha sido anunciada. A Fábrica prontificou-se a fazer obras para disponibilizar espaço para acolher entre 350 e 400 alunos, em vez que dos cem que era a sua capacidade máxima. Foi estabelecida uma renda anual de 60$000 réis. Por portaria de Dezembro, foi atribuída à nova escola o nome de Escola Industrial de Passos Manuel. (3)
* Certificado de aproveitamento de Joaquim Gonçalves da Silva
(1) Leão, Pe. Manuel - “Uma Escola Profissional de Cerâmica” in Boletim Amigos de Gaia, Dezembro 2003, pgs 11,12
(2) Mourão, Ramiro – op. Citada
(3) Barra, Alípio “ Da Escola de Desenho Passos Manuel à Escola Secundária Nº 1” in Boletim Amigos de Gaia, Dezembro 1984, pgs 47,48
(4) Revista da Sociedade de Instrucção do Porto-1883
(5) Cardoso, Duarte – “Sociedade de Instrucção do Porto (1880-1889)” in http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/9666.pdf , pg. 143
(6) Revista da Sociedade de Instrucção do Porto - 1884