JOSÉ JOAQUIM TEIXEIRA LOPES, ESCULTOR E CERAMISTA
por António Teixeira Lopes da Cruz, Proprietário da Quinta Vila Rachel.
data da publicação: 1 de Março de 2023
* D. Pedro V (1837-1861) - Óleo sobre tela de W. Halter, 1855 (Museu dos Coches, Lisboa)
* D. Pedro V (1837-1861) - Estátua em bronze de José Joaquim Teixeira Lopes ( Praça da Batalha, Porto )
Foi erigida no centro da Praça da Batalha, no Porto, tendo sido recentemente deslocada, o que originou a perda da referida centralidade, prejudicando, assim, o seu enquadramento estético-urbanístico e desvirtuando, sem razão aparente que não seja um mero acto arbitrário, o projecto inicial, que pretendia homenagear de forma condigna um rei que tão estimado fora e que a morte ceifou com apenas 24 anos.
O monumento, que “perpetuará o amor dos artistas do Porto à memoria do Rei illustrado”, foi iniciativa de cerca de quarenta artistas e industriais do Porto, que decidiram proceder a uma subscrição pública para o custear. (1)
A Sociedade do Palácio de Cristal Portuense encarregou-se de promover a subscrição, afirmando que o monumento seria erigido em local público, embora junto ao terreno do Palácio (2)
A comissão provisória convidou todos os artistas, através de cartazes, para uma reunião no Teatro Baquet, a ter lugar em 1 de Dezembro de 1861. (3)
Estiveram presentes cerca de 400 pessoas, que deliberaram passar a comissão provisória a efectiva, definiram as linhas principais do monumento (muito alteradas na versão final), cujo pedestal deveria ser em mármore e a estátua em bronze, sendo que o custeio da “obra seria todo a expensas das classes artísticas”, o que não se veio a verificar: houve várias subscrições no país e no Brasil, récitas e bazares com leilão de peças oferecidas. As maiores fontes de receita devem-se à “Sociedade Madrépora do Rio de Janeiro”, aos “Artistas Portuguezes do Rio de Janeiro”, ao “Bazar Portuense no Jardim de S. Lazaro” e à “Empreza dos Caminhos de ferro Portuguezes”. (4) (5)
Em 22 de Dezembro, a comissão solicitou à Câmara a concessão do terreno na Praça da Batalha, onde se levantaria o monumento. (6)
Nesse mesmo mês, Anatole Calmels, escultor francês radicado em Portugal, que gozava de razoável prestígio e que já criara um excelente busto de D. Pedro V, ofereceu-se para realizar a sua estátua em mármore de Carrara ou em bronze, de 12 palmos, por 3:500$ 000 rs e 5:000$000 rs, respectivamente. Sem continuidade. (7)
(1) “O Commercio do Porto”, nº 270 de 22 de Novembro de 1861
(2) “O Jornal do Porto” de 29 de Novembro de 1861
(3) “O Jornal do Porto” de 30 de Novembro de 1861
(4) “O Jornal do Porto” de 2 de Dezembro de 1861
(5) “O Archivo Pittoresco”, nº 34 de 1864, pgs 268,segs.
(6) O Jornal do Porto” de 23 de Dezembro de 1861
(7) “O Jornal do Porto” de 26 de Dezembro de 1861
7.1/ OS CONCURSOS PARA O PROJECTO
Tendo sido aberto concurso, foi vencedor um projecto do pintor Joaquim José Pirralho (1838-1882), que foi escolhido por ser o menos ambicioso e elaborado e, portanto, mais comportável. (8) (9) (10)
Este processo não teve sequência e foi aberto novo concurso que terminaria em 15 de Março de 1862. (11)
O vencedor foi o canteiro António de Almeida Costa, “que se propunha realizar todo o trabalho de mármore por 3:600$000 réis e apresentar o modelo em barro para a estátua, que seria em bronze fundido”. (12)
O modelador da estátua seria Teixeira Lopes, que já colaborara anteriormente com Almeida Costa. (13)
Foi, assim preterido o outro concorrente, o canteiro de Lisboa Joaquim Antunes dos Santos. Gerou-se uma prolongada e violenta polémica entre este e Almeida Costa, que atingiria a comissão e se tornaria pública através da imprensa. (14)
A comissão nomeou uma deputação que integrava Luís José Nunes (Presidente da comissão),
Manuel José de Oliveira e António de Almeida Costa, para ir a Lisboa convidar o rei D. Luís e o rei D. Fernando a vir ao Porto lançarem a primeira pedra do monumento (15), o que ocorreu em 11 de Junho de 1862. O rei D. Fernando, que deveria representar o rei D. Luís, acabou por não poder estar presente devido ao próximo casamento de D. Luís, tendo sido o General Visconde de Rilvas, seu ajudante de campo, a colocar a primeira pedra, na presença das forças vivas da cidade. Na base do futuro monumento foi colocado um cofre de zinco contendo as moedas cunhadas no reinado de D. Pedro V, bem como uma folha de prata com uma inscrição em latim, relativa ao rei. (16)
(8) Monterrey, Guido, in “O Porto”, pg 131; 1972
(9) Basto, Carlos – “Nova Monografia do Porto”,1938, pg 181 (Pirralho), pg 304, em que se refere que (Pirralho), “Como architecto fez o risco do monumento de Pedro V”, pg 299, em que atribui apenas a “fundição” (?) a JJTL,
(10) “A Arte Portugueza”, Março de 1882, pg 29
(11) “O Commercio do Porto”, nº 41 de 19 de Fevereiro de 1862
(12) “O Commercio do Porto”, nº 55 de 7 de Março de 1862
(13) “O Commercio do Porto”, nº154 de 8 de Julho de 1862
(14) Para aprofundamento deste tópico, cfr. diversos nºs de “O Commercio do Porto” da época
(15) “O Jornal do Porto” de 10 de Março de 1862
(16) “O Archivo Pittoresco” nº 34 de 1864, pgs 268, segs.
7.2/ A ELABORAÇÃO DA ESTÁTUA
O modelo em gesso para a estátua esteve exposto na Câmara Municipal do Porto. Desse facto deu notícia Francisco José Resende, lente de pintura e antigo professor de Teixeira Lopes, que louvou o meritório trabalho modelado pelo seu ex-aluno, referindo o rigor e a grande semelhança da estátua com o vulto do rei homenageado, assumindo que “José Joaquim Teixeira Lopes foi um dos alunos que mais se distinguiu na Academia Portuense de Belas Artes”. (17)
Teixeira Lopes foi ainda alvo de apreciações favoráveis de críticos, tanto mais de realçar quanto, à época, Portugal era muito pobre em termos de capacidades escultóricas, sendo defendido o recurso a artistas estrangeiros. (17)
Para suportar adicionalmente as despesas, a comissão realizou leilões, concertos e representações teatrais, de que é um bom exemplo a actuação graciosa da famosa actriz Emília das Neves e respectiva companhia. (18)
Em 7 de Janeiro de 1863, a comissão abre concurso para a fundição em bronze da estátua, estando o respectivo modelo disponível para visita na R. do Laranjal, 175. (19)
Em 11 de Junho de 1863, anunciava-se que estava completo o pedestal onde iria ser colocada a estátua, que iria ser fundida em bronze num barracão de madeira já construído na Rua de Malmerendas (actual Alves da Veiga), que foi visitado pelo rei D. Luís, que se inteirou do avanço dos preparativos para a fundição “e apreciou como muito fiel o modelo de gesso”. (20) (21)
Teixeira Lopes foi, por essa altura (4 de Dezembro de 1863), apresentado ao rei que lhe dirigiu “palavras extremamente lisonjeiras, dizendo-lhe que desejava fosse tão feliz em todas as suas obras, como o fora na estátua do Senhor D. Pedro V”. (22)
A fundição em bronze acabou por ser executada sob a direcção de Luís José Nunes (Presidente da Comissão), que era ourives, mas sem experiência da fundição em bronze e que, só após uma primeira tentativa mal sucedida, conseguiu realizar a estátua, embora sem a qualidade requerida e com elevado acréscimo de custos. (23)
(17) “O Commercio do Porto”, nº162 de 17 de Julho de 1862
(18) “O Jornal do Porto” de 22 de Abril de 1863
(19) “O Jornal do Porto” de 7 de Janeiro de 1863
(20) “O Commercio do Porto”, nº281 de 4 de Dezembro de 1863
(21) “O Jornal do Porto” de 5 de Dezembro de 1863
(22) “O Commercio do Porto”, nº282 de 5 de Dezembro de 1863
(23) “O Commercio do Porto”, nº139 de 22 de Junho de 1864
7.3/ A INAUGURAÇÃO DO MONUMENTO
Em 6 de Janeiro de 1866, noticiava-se terem sido iniciados os trabalhos de assentamento definitivo das grades que deviam circundar o monumento. (24)
A estátua, com o peso de 180 arrobas foi finalmente colocada no pedestal em 26 de Janeiro de 1866, com o sigilo possível, dado que a comissão queria “evitar estorvos e mesmo alguma desgraça eventual”.
O transporte foi efectuado, por isso, de madrugada, num carro da fundição do Bicalho, puxado por dezenas de pessoas, à luz de archotes. A transferência da estátua e respectiva colocação definitiva demoraram cerca de hora e meia. Mesmo com todo o secretismo e o adiantado da hora, juntaram-se mais de duzentos populares na Praça da Batalha a assistir. Provavelmente adivinharam o acontecimento, devido ao foguetório (!) lançado durante todo o dia pela comissão entusiasmada... (25)
A sua inauguração teve lugar em 3 de Fevereiro de 1866, tendo El-Rei D. Luís descerrado a estátua, na presença dum séquito composto de ministros, titulares, edis e outros notáveis, num ambiente festivo, tendo discursado Luís José Nunes, presidente da comissão promotora do monumento, o governador civil, Januário Correia de Almeida, e, de forma breve, o Rei. (26) (27)
O monumento estava iluminado “a giorno”, rodeado por uma turbamulta e com música fornecida por uma banda marcial e no momento em que foi patente a estátua houve descarga de foguetes e uma salva do Quartel da Serra do Pilar. (26) (27)
Após as assinaturas do auto da inauguração, a comitiva seguiu para a Igreja dos Congregados, onde assistiu a um “Te Deum” composto propositadamente para o acontecimento por Miguel Ângelo Pereira.
(26) (27)
(24) “O Jornal do Porto” de 6 de Janeiro de 1866
(25) “O Jornal do Porto” de 27 de Janeiro de 1866
(26) “O Tripeiro” II série, nº 10 de 1916, pg.195
(27) “O Jornal do Porto” de 4 de Fevereiro de 1866
7.4/ DESCRIÇÃO DO MONUMENTO
A base do monumento é um imponente pedestal em mármore que assenta em quatro degraus e é de formato octogonal, enfeitado nas quatro faces principais por alegorias da Religião (virada a norte para a Igreja de Santo Ildefonso), da Agricultura (virada a sul), das Artes (virada a este) e da Indústria (virada a oeste), relacionadas com as actividades que o rei tinha apoiado.
Contem também inscrições, em letras de bronze na base do pedestal, comemorativas das várias visitas que D. Pedro V efectuou à cidade: uma em 1852, sendo ainda príncipe; outra em 1860, para uma exposição agrícola; e uma outra em 1861, para proceder ao lançamento da pedra inaugural do Palácio de Cristal.
No monumento, que no total mede cerca de 10m de altura, incluindo os 3m da estátua, estão ainda inscritos os principais beneméritos doadores para a sua construção e também quatro medalhões com as armas de Portugal, da cidade do Porto e das casas de Bragança e Saxe-Coburgo-Gotha.
O monumento é circundado por um gradeamento de ferro fundido interrompido por oito pilastras. (16) (28)
Sobrepujando o pedestal está a figura majestosa do rei, envergando o uniforme de tenente general, com a mão esquerda apoiada no punho da espada, que pousa no chão, e a direita segurando o chapéu, com o braço descaído. (16) (28) (29)
O escultor conseguiu representar o popular rei numa postura que nele era muito recorrente e em que a sua persistente e aparente melancolia se tornava evidente: não é visível o aprumo majestático que seria de esperar em tão alta e distinta personagem; pelo contrário, é notório um certo acabrunhamento físico, um descaimento de ombros e braços, uma pendência frontal da cabeça, uma aparente falta de vitalidade.
Tudo indicia uma constituição fraca, conquanto esconda uma rara sensibilidade no que toca ao sofrimento e privações do seu povo e a vontade indómita de os minimizar no que estivesse ao seu alcance.
Esta realidade, não agradou a certos críticos, que verberaram o autor da estátua por ter seguido escrupulosamente a verdade histórica. Houve quem opinasse que ”é melhor amoldar a história à arte, do que sacrificar a arte à história”. (? !) (16)
7.5/ A VALIA ARTÍSTICA DA ESTÁTUA
A estátua de D. Pedro V, juntamente com a estátua equestre de D. Pedro IV e a estátua de Passos Manuel, primeira a ser inaugurada (VER 8. ESTÁTUA DE PASSOS MANUEL), constituíram uma perfeita novidade no que concerne a homenagens prestadas em lugares públicos a personalidades muito admiradas na Invicta, até então inexistentes.
Ademais, enquanto o monumento a D. Pedro IV foi adjudicado a um estrangeiro, Anatole Calmels, escultor francês, já com créditos firmados, o de D. Pedro V foi entregue a um jovem escultor português, desconhecido e sem obra abonatória da sua competência. Não por acaso se levantaram vozes reclamando a entrega da obra a um estrangeiro conceituado, como já foi referido.
Mas, o facto é que Teixeira Lopes, apesar da sua parca experiência, desembaraçou-se bem da tarefa de alta responsabilidade que lhe foi cometida.
Certamente que não é uma obra-prima e a sua passagem a bronze não tem a qualidade da de D. Pedro IV, que foi executada em França. É, no entanto, uma obra meritória, que recebeu um louvor por parte da comissão e que conferiu grande notoriedade pública ao seu autor, até então pouco conhecido, e que teve importantes consequências para o seu futuro.
A “Sociedade Madrépora do Rio de Janeiro”, que muito contribuiu para a realização da estátua, foi obsequiada com uma estátua em gesso do rei homenageado, preparada por Teixeira Lopes, que seguiu para o Rio de Janeiro na galera “Europa”, em Dezembro de 1862. “Na viagem ficaram levemente rachados o braço direito e os cordões do passador”. (30)
A “Madrépora”, por seu turno, ofereceu a estátua ao Real Gabinete Português de Leitura, que a deveria inaugurar na Sala de Leitura. (30)
Na sequência da inauguração da estátua, Teixeira Lopes foi agraciado pelo rei D. Luís com a Cruz da Ordem de Cristo.
(28) Margarida Almeida – Jornal da Região Porto, 21 de Junho de 2001
(29) Guia Historico do Viajante no Porto e arrabaldes “, Livraria e Typographia de F. G. da Fonseca, 1864, pgs.149 segs.
(30) “O Jornal do Porto” de 20 de Dezembro de 1862
* Maquete do monumento e da estátua (Casa-Museu Teixeira Lopes), fotografias do autor